J. S. Bach: Goldberg Variations

J. S. Bach: Goldberg Variations

Gravar grandes obras de Bach – as suítes para violoncelo, O Cravo Bem Temperado, as obras para violino solo – é um rito de passagem para muitos músicos. Essas peças são verdadeiros Everests a serem enfrentados apenas quando o artista se sente suficientemente bem preparado, quando a experiência de uma vida inteira pode ser traduzida em um álbum marcante. O pianista Víkingur Ólafsson sente que chegou a hora de apresentar as Variações Goldberg, de Bach. “Eu faço 40 anos em fevereiro de 2024, o que significa que há dez anos toco as Variações em público”, diz o artista islandês ao Apple Music Classical. “Não é uma idade tão avançada, mas hoje eu interpreto a peça diferente de quando tinha 30 anos. Para mim, as Variações são uma enciclopédia de como você pode sonhar com o teclado. É como uma carta numa garrafa que Bach jogou no mar em 1741 esperando encontrar um público. E, surpreendentemente, isso aconteceu.” É tentador sugerir que a gravação das Variações Goldberg seja um ponto de inflexão na carreira de Ólafsson. Afinal, todos os seus álbuns anteriores para a Deutsche Grammophon apresentavam programas de recitais originais e cuidadosamente selecionados, como Mozart & Contemporaries (2021) e From Afar (2022), só para citar dois, mas sem uma obra verdadeiramente emblemática. Ólafsson considera as Variações Goldberg não só uma das maiores obras para teclado de Bach, mas também o programa definitivo: uma série de variações com história e trajetórias próprias. Então vamos começar do começo, com o que Ólafsson chama de “ária de todas as árias – uma das mais belas peças para teclado já escritas e uma ode ao nascimento”. O que se segue são 30 variações, cada uma construída na mesma estrutura harmônica simples da “Ária”. “Bach mostra que você pode encontrar uma expressão ilimitada no DNA dessa ária”, diz ele. “O genoma é, de certa forma, a beleza da vida. E eu acho que esta peça é uma grande criação biológica da música clássica.” A vida acontece ao longo das Variações. As primeiras 14 variações são em sol maior, o mesmo tom tranquilo da “Ária”. “Dá facilmente para fazer uma analogia com uma infância feliz, quando você não precisa se esforçar muito”, diz Ólafsson. Mas tudo muda na “Variação 15”. O clima fica mais sombrio, o ritmo fica mais lento. “Você não está preparado para isso. Ela vira as coisas de cabeça para baixo e termina de uma forma incrivelmente aberta, com as notas muito distantes uma da outra, em sol grave e ré agudo.” Ólafsson enxerga um renascimento na “Variação 16”, escrita como uma overture francesa, com uma exuberância quase operística. “Você se recupera, e as variações e os cânones alegres estão de volta, todos em sol maior.” O padrão de tragédia profunda seguida de pura alegria é repetido na “Variação 21” e na “Variação 25”. Na “Variação 30”, a última, Bach dá as boas-vindas ao herói com um “quodlibet”: duas canções tradicionais combinadas, uma recriação para o teclado do que era cantado em eventos da família Bach. E então voltamos à “Ária”. A odisseia está completa. “O interessante da ‘Ária’ é que as notas são iguais, mas não são”, diz Ólafsson. “Tudo mudou completamente. E eu acho que, quando você ouve a ‘Ária’ novamente depois de 75 minutos, você tem a impressão de que Bach lhe deu a chance de experimentar algo próximo do fim da vida. Sempre que eu toco a ‘Ária’ final, no estúdio ou ao vivo, eu fico triste. Eu não quero que acabe. Fico com medo do silêncio que vem depois do último acorde.” E o silêncio desempenha um papel importante nas Variações Goldberg, ao estabelecer sequências ou pausas dramáticas entre elas. “Eu me diverti muito decidindo o momento exato de começar cada variação”, diz Ólafsson. É importante que a apresentação não caia na rotina – em que uma variação apenas segue depois da outra. “Você tem que evitar esse tipo de coisa”, diz ele. “Nunca deve ser algo trivial.” Então, como se deve ouvir as Variações Goldberg, de Bach? “Assim como o artista, o público também precisa encontrar as suas próprias Variações.” Ólafsson acha que você deve mergulhar de cabeça. “A melhor coisa é ouvi-las de manhã cedo, todo dia, durante um mês. Depois veja como você se sente no primeiro dia do mês seguinte. Garanto que você vai ter muitas ideias novas e vai sentir muito amor por esta música.”

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