10 Songs

10 Songs

Fran Healy, vocalista do Travis, nunca parou de compor músicas novas. Tem sido assim desde que os veteranos do rock escocês lançaram Good Feeling, o álbum de estreia, em 1997. Mas, apesar do sucesso contínuo da banda, Healy sentia que, depois do lançamento de The Boy With No Name, em 2007, suas composições começaram a perder o brilho que tinham nos primeiros anos. “Consegui, de alguma forma, recuperar meu mojo neste álbum porque, nos últimos 14 anos, eu estava concentrado em ser pai”, diz Healy ao Apple Music sobre 10 Songs, o nono álbum da banda e o primeiro desde Everything at Once, de 2016. “Houve um momento em que meu filho me disse: ‘Quero que você volte com tudo com a banda. Eu estou bem’”. Gravado no lendário RAK Studios, em Londres, o álbum cobre cada faceta do repertório do Travis: baladas de partir o coração (“The Only Thing”), rocks enérgicos (“Valentine”) e chamber pops sedutores (“Kissing in the Wind”). Healy conta que não poderia ter feito isso sem o apoio dos companheiros de banda, cuja formação permanece a mesma por mais de um quarto de século: “Se fosse uma diagrama de Venn, todas as intersecções seriam o Travis e, nos círculos fora delas, estariam nossas personalidades individuais e nossas vidas individuais.” A seguir, Healy revela a essência por trás de cada faixa do álbum. Waving at the Window “As pessoas acreditam que você tem segundas chances. Você não tem. Eu não acredito que você tenha, e acho que tratar a vida como se ela fosse um presente que você nunca mais vai ganhar é a melhor forma de encará-la. Então, estou dizendo isso para mim mesmo nesta frase: ‘This is no rehearsal, this is a take’ [algo como ‘Isso não é um ensaio, isso é para valer’]. Curiosamente, na minha maneira de compor, não começo com qualquer ideia. Sei que muitos compositores são assim. Você começa a tocar o piano, ou, nesse caso, o riff de ‘Waving at the Window’. O jeito que toquei a guitarra, foi meio como aquelas guitarras dos filmes do Akira Kurosawa.” The Only Thing (feat. Susanna Hoffs) “Achava que o álbum precisava de um dueto, e pensei: ‘Meu Deus, a Susanna Hoffs’. Eu a encontrei no Twitter, e disse: ‘Você é fantástica. Adoro sua voz.’ Por um ano e meio depois dessa interação, a gente não se comunicou, mas cantores e artistas são como cachorros no parque: eles se encontram e se comportam como se fossem velhos conhecidos. Sempre que escuto a voz da Susanna, me sinto transportado para quando eu tinha 14 anos, para uma época mais simples, quando as coisas eram um pouco mais básicas e simples, e essa é uma sensação boa.” Valentine “Eu precisava de um lugar tranquilo para escrever minhas músicas. Então, pensei que, em vez de gastar uma fortuna com aluguel, eu pegaria um barquinho. Atraquei ele em Marina del Rey, na Califórnia, e ia para lá todos os dias, passar o tempo. Esse lado mais rock é algo que o Travis sempre fez, desde o começo. Você pode pegar o Good Feeling e ouvir isso na maior parte do álbum. Até mesmo no The Man Who, você ouve isso na faixa ‘Blue Flashing Light’. A gente tem essa coisa meio nervosa e sombria porque acho que todos nós tivemos uma formação roqueira. O Led Zeppelin é uma grande influência para o Travis. AC/DC é uma influência enorme para o Travis. R.E.M. e U2 também são influências gigantes. Para essa música, a direção era que todos da banda tocassem como se estivessem gritando o mais alto possível, com muita raiva. Como se estivéssemos muito ‘p’ da vida. Botando tudo pra fora.” Butterflies “Caçar borboletas tem um papel importante na história da minha família, porque meu tio, o irmão da minha mãe, se afogou no Canal Forth and Clyde – que é o canal que atravessa Glasgow. Ele estava caçando borboletas nas margens do canal, escorregou, caiu lá dentro e se afogou. Ele tinha nove anos e foi como uma bomba nuclear explodindo na história da minha família. E, da explosão nuclear que foi esse evento, minha mãe nasceu. A guerra tinha acabado de chegar ao fim. Era 1945 e meu avô, que tinha sido um prisioneiro de guerra e estava esperando para poder voltar para casa, recebeu um telegrama dizendo que ele tinha que voltar para casa imediatamente, pois seu filho tinha morrido. Então, lá estava meu avô, um homem que tinha enfrentado a guerra e sobrevivido, recebendo a notícia de que seu filho tinha se afogado meses após o fim da guerra. Ele teve que ir para Glasgow, enterrar seu filho, que ele mal tinha visto, e, então voltar para a Alemanha para ser liberado. Ao mesmo tempo, a ideia de caçar borboletas é algo que sempre me soou como uma metáfora muito boa para o ato de compor uma música. Músicas são como borboletas. Ela são essas coisinhas que ficam voando por aí – você a pega, segura em suas mãos, olha para ela, e, então, você a grava.” A Million Hearts “Eu já atravessei 47 anos da minha vida, e, quando você é criança, você cai. Você não evita cometer erros, e não evita cair. Mas a coisa mais corajosa que você pode fazer é se deixar levar; acho que isso que é o Zen. Tentar e ser livre, e não tentar e controlar. Eu fiquei muito feliz de poder ter o Jason Lytle, do Grandaddy, nessa faixa. Ele toca na parte do meio da música e vai para o espaço sideral. Fica tudo meio onírico e meio maluco, bem ali no meio da faixa.” A Ghost “O RAK Studios era dirigido por um cara chamado Mickie Most. Ele produziu ‘House of the Rising Sun’, do The Animals, e ‘You Sexy Thing’, do Hot Chocolate. E, acho que ‘Kids in America’ [de Kim Wilde]. Nós sempre trabalhamos nesse estúdio. Mickie entrava na sala vestido impecavelmente. Ele estava sempre usando um suéter branco, calças brancas, sapatos brancos, meias brancas, cabelo grisalho; sempre com uma aparência de quem tinha acabado de voltar de férias, com sua pele morena. Mickie morreu em 2003, mas seu escritório continua lá. Ninguém nunca mexeu na sua sala. Está exatamente como estava no dia em que ele morreu. Eu estava sentado na sala de controle e nosso guitarrista [Andy Dunlop] me disse: ‘Vou fazer um chá. Você quer?’ Respondi: ‘Sim, pode ser.’ Então ele foi lá fazer o chá. Eu podia ouvir o Neil [Primrose, baterista] ali por perto, no estúdio, mas fora do meu campo de visão, a uns metros de distância, lendo uma revista. Podia ouvir Dougie [Payne, baixista], numa sala no outro andar, brincando com o baixo. E isso rola por uns 20 minutos. Estou lá navegando a web no meu computador. E, então, olho pra cima e Neil entra na sala, e eu pergunto: ‘Você não estava sentado ali?’. Ele responde: ‘Não.’ E eu: ‘Então, quem está ali?’ Daí me viro para olhar naquela direção e não tem ninguém lá. Isso acontece muito naquele estúdio. É Mickie; ele ainda não saiu daquele estúdio. Luzes piscam e coisas caem no chão, e não há ninguém perto delas, e você vê sombras. Nós chamamos de Fantasma do Most, porque é o Mickie Most.” All Fall Down “Eu tive uma ótima conversa com um motorista de táxi em Glasgow. E, quando eu estava saindo do carro, ele virou e disse: ‘Não se esqueça: você está há muito tempo com os pés no chão.’ Ouvir esse tipo de coisa faz você refletir sobre o seu tempo. Se você tem filhos, passe mais tempo com eles. Dê a eles seu tempo e sua atenção. Não se esqueça de que você nunca poderá viver aquele momento de novo. É por isso que o Travis nunca conquistou o mundo de verdade. Porque nós pensávamos: ‘Fo***-se, vamos passar nosso tempo com nossos filhos. Nós já ganhamos o mundo, mandamos bem. Fo***-se.’ E nunca mais teremos a chance de passar tempo com a versão dos nossos filhos com 1 ou 2 anos de idade. Eu assisti meu menino crescer. Eu tive essa oportunidade.” Kissing in the Wind “Meus boletins escolares sempre diziam: ‘Francis é um bom rapaz, mas é sonhador.’ No começo, estou apenas olhando pela janela e não estou prestando muita atenção na aula. Estou bem feliz no meu pequeno sonho, talvez mais até do que quando estou no presente. Mas acho que todo temos isso em comum. Sonhar nos afasta dos nossos problemas mundanos. Essa música acabou ficando linda, e foi a primeira desse álbum.” Nina’s Song “Essa é uma das minhas preferidas. Não era nem para estar no álbum, porque ela me deixa um pouco constrangido; a letra é muito pessoal – é quase uma música de show. Ela é sobre eu com sete anos de idade perguntando para a minha mãe: ‘Ei, mamãe, existe uma loja de pais? A gente pode ir à loja de pais e arrumar um pai para mim?’ Eu ainda gostaria que houvesse uma loja assim, porque todo mundo precisa de um pai, e não um m**** de pai. Todo mundo precisa de um bom pai, que sempre vai estar lá, alguém com quem se pode contar. Eu nunca tive isso. Nunca entendi como é importante ter um pai até eu mesmo me tornar um.” No Love Lost “Essa música me lembra outra que escrevi, chamada ‘Writing to Reach You’, onde canto: ‘Every day I wake up and it's Sunday’ [‘Todo dia eu acordo e é domingo’] E essa aqui diz: ‘Woke up feeling s**t this morning’ [‘Acordei sentindo m**** de manhã’]. Mal sabia eu que a pandemia estava para acontecer e que todo mundo ficaria preso em casa – é uma sensação tipo: ‘Que inferno, quando que isso vai acabar?’ Aí tem outro trecho que diz: ‘Staring at the window, just watching the rain’ [‘Olhando pela janela, vendo a chuva cair’], que faz você se sentir dentro de uma pintura de Edward Hopper. Essa música, para mim, passa essa sensação de se estar em um desses quadros. Você está no isolamento, está preso – mesmo que essa música tenha sido escrita antes de estarmos todos em quarentena. Se você pensar, estamos todos presos em nossos corpos. Então, de certa forma, estamos todos em isolamento. Sempre estivemos e sempre estaremos. E estamos há muito tempo com os pés no chão. Então, vá lá e faça o que tiver de fazer – e faça direito.”

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