Carlos, Erasmo (Versão Com Bônus)

Carlos, Erasmo (Versão Com Bônus)

Chamar Erasmo Carlos de “senhor” beira uma ofensa ao artista – mesmo tendo completado 80 anos em 2021, ele insiste: “Me chame de ‘você’!”. O ano marca também 50 anos do lançamento de Carlos, Erasmo, álbum lançado em 1971 e um marco em sua carreira. “Eu saí do bê-a-bá da Jovem Guarda para entrar na faculdade, esse álbum foi a minha estreia nessa universidade”, diz Erasmo em entrevista ao Apple Music. No entanto, para ele, Erasmo Carlos e os Tremendões, de 1970, serviu como uma espécie de vestibular: “Foi nesse que me tornei adulto”. O artista não se lembra de todos os detalhes das gravações, mas se recorda das dificuldades de conseguir gravar com a Caribe Steel Band a faixa “Maria Joana”: “Eles eram muito escorregadios”, conta. “Eles eram da Guiana Britânica e estavam tocando em Santos [litoral de São Paulo], e eram muito desconfiados, arredios. Foi um sacrifício convencê-los a ir para o estúdio e tirar som daquela parafernália de lata”. Entre as 14 faixas (sendo uma delas, bônus), o cantor diz não ter uma preferida, mas confessa ter orgulho de “Maria Joana” justamente pelo “ineditismo do som”, com o uso dos tambores de lata. Para Erasmo Carlos, Carlos, Erasmo é bastante cultuado atualmente porque “O jovem me vê atuar ainda hoje e vai procurar o meu trabalho antigo. Quando o conhece, assume como algo novo”. Mesmo 50 anos depois, o álbum conversa com os dias atuais, pois “ele tem muitas coisas novas, que sugerem tendências e formas de fazer música com estilos diferentes”. Do mesmo modo positivo e atual, Erasmo entende que a Jovem Guarda, movimento que o consagrou, ainda é bastante presente. “Ela tem o seu lugar sagrado e muitos fãs. É incrível, tudo o que envolve a Jovem Guarda está sempre lotado. Então a força das músicas foi muito importante, assim como o romantismo das canções. Ela veio em um momento em que a juventude procurava uma linguagem própria para exprimir seus desejos e ânsias.” Essa ligação e entendimento com a juventude parece ainda estar presente na vida de Erasmo Carlos que, mesmo aos 80 anos, diz ainda se sentir como um menino. “Meu corpo é que é desobediente”, brinca. A comemoração teve que ser singela, afinal ela aconteceu durante a pandemia do coronavírus, mas isso não impediu que fosse significativa para o músico. “Foi muito legal, fiz um documentário, fui homenageado, os amigos me prestigiaram com coisas na internet. Fiquei muito feliz. Minha esposa me fez uma surpresa, com um lanchinho, uma cestinha bonitinha de presentes, então eu fiquei feliz. E ganhei um fone de ouvido para fazer live.” Ansioso para voltar a fazer shows, Erasmo Carlos não vê a hora de “abrir novamente a janela para mostrar o meu trabalho”. Enquanto isso, ele relembra detalhes e curiosidades de cada uma das faixas de Carlos, Erasmo. De Noite na Cama “Eu queria gravar uma música do Caetano Veloso, que estava exilado. Então pedi ao André Midani, que era o diretor da [gravadora] Phonogram, para fazer o contato, e Caetano mandou uma fita para mim com ‘De Noite na Cama’. E é engraçado porque ele gravou várias vezes na fita: ele gravava e emendava outra vez, em loop. E, quando ele acabou de gravar, se esqueceu de desligar o gravador, e eu fiquei ouvindo as coisas mais íntimas da vida dele no exílio. Eu guardo essa fita até hoje. E foi uma música bastante interessante, que me fez gravar com berimbau, misturei com rock. Essas misturas ajudaram a tornar o álbum cult.” Masculino, Feminino “Eu gostei dessa música, aliás, até hoje sou vidrado nela. Na época, procurei uma menina para gravar comigo, e tinha a namorada do meu secretário, que era cantora do Bando, um grupo que tocava em festivais. E ela cantava muito bonitinho, chamei-a e gravamos. Gosto muito dessa faixa.” É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo “A peça Hair tinha estreado nos Estados Unidos e no Brasil também, então estava em alta aquela coisa de hippie, de dizer não à Guerra do Vietnã, essa contracultura toda chegando, assim como as drogas, então havia essa proposta de paz e amor no mundo, que foi um dos momentos mais grandiosos e idealistas na minha vida. Achar que a utopia era viável e, por isso, a necessidade de desabafar com um amigo era muito grande. Então, eu e Roberto [Carlos] fizemos essa música falando disso, das coisas que a gente via... Uma música para fugir da solidão, desabafando no ombro de um amigo. Ela me alegra muito quando eu canto, é um blues muito forte no meu repertório.” Dois Animais na Selva Suja da Rua “O Taiguara fez uma música para minha mulher e para mim – nós tínhamos nos casado no papel. E isso, na época, não era bem-visto, então ele fez essa música para a gente.” Gente Aberta “Eu fiz essa para revelar o que eu sentia ao ver aquela gente toda em Woodstock [festival que aconteceu em 1969 nos EUA], aquela proposta de paz, união, o amor surgindo de uma forma clara, sem preconceitos. Eu sou uma dessa pessoas, quero estar entre essas pessoas, então eu a chamei de ‘Gente Aberta’. Fiz essa música para dizer como eu sou, ela traduz isso exatamente. E atualmente é a música mais solicitada de todo o meu repertório.” Agora Ninguém Chora Mais “O primeiro álbum do Jorge Ben Jor é um tesouro. Eu gosto de muitas músicas e gosto demais dessa, achava bonito esse samba nagô, que é como eu a chamava. Para escolher uma só do Ben Jor, que eu queria gravar, preferi essa. E gravei com gongo, e foi difícil porque ele é pesado e tive que levar para o estúdio. Hoje você pode reproduzir o barulho usando recursos eletrônicos, mas na época não: se eu quisesse gravar com um gongo, tinha que ser com um gongo mesmo. Foi um sacrifício.” Sodoma e Gomorra “Eu apelei para a Bíblia. Me chamou muito a atenção a coisa do Ló com as filhas, o incesto que ele teve com a filha, a coisa mágica ou fantasiosa da mulher dele virar uma estátua de pedra, de acontecer uma explosão atômica, que eu imaginei ser gigante, quando eles estavam fugindo. Então essa história me fascinou muito, é uma das minhas favoritas da Bíblia. E eu musiquei.” Mundo Deserto “Essa eu tinha feito para a Elis Regina, que gravou até um clipe na Alemanha com essa música. E eu regravei, que seria a versão de um homem cantando.” Não Te Quero Santa “É uma música que o Vitor Martins me mostrou no estúdio. Eu estava gravando e ele foi me mostrar. Eu achei muito bonita, e estava dentro das coisas que eu queria falar: ‘Não quero a mulher santa’. Achei o tema muito bonito e oportuno para ser gravado naquele momento de mudanças.” Ciça, Cecília “Foi uma faixa que eu fiz para a novela A Próxima Atração, para a personagem da Betty Faria, que se chamava Ciça. Então eu trabalhei como um psicólogo: me deram o nome, a personalidade e a história dela na novela, e eu fiz a música falando daquele universo.” Em Busca das Canções Perdidas Nº 2 “O Fabio [compositor da faixa] me mostrou a música e eu sentia muito psicodelismo nela, então ela descreve uma viagem de ácido. Muito surrealismo. E eu cantei isso.” 26 Anos de Vida Normal “Eu tinha conhecido recentemente o Marcos Valle, de quem eu era fã desde antes de ser artista. Ele me mostrou essa música, e a gente fez uma amizade boa. Jamais imaginaria na Tijuca ser amigo de alguém da Bossa Nova, porque existia uma resistência da Bossa Nova com relação às pessoas da Jovem Guarda. E nos tornamos muito amigos. Fui na casa dele, ele me mostrou essa música e acabamos gravando o vocal. É uma coisa muito querida, muito família.” Maria Joana “Eu estava filmando em Israel e fui a uma boate em Tel Aviv. Quando eu abri a porta, o Calypso estava tocando uma música que repetia: ‘I like marijuana’. Fiquei surpreso e decidi que faria uma música parecida com aquela. Fui desenvolvendo e coloquei Maria Joana, para não colocar marijuana – para bom entendedor, meia palavra basta. E para driblar a censura, combinei com o Nelson Motta, que tinha uma filha chamada Joana, que havia feito a música para a filha dele. Ele disse: ‘Mas ela não é Maria Joana’, mas eu fingi que não sabia. Mesmo assim, a música foi proibida, ficou vários anos censurada. Eu nunca tinha feito show com ela, só fui tocá-la recentemente.” A Semana Inteira “Ela sobrou do álbum anterior, e a gente encaixou nesse. É simplesmente uma música de amor, não tem nada de mais. A semana inteira o cara ficava esperando pela mulher, não tem nada além disso. Um amor normal, que é bonito para caramba.”

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