Agora

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“Eu penso em música o tempo todo”, diz Bebel Gilberto ao Apple Music, em resposta a uma pergunta sobre seu processo criativo. “Agora que estou com uma cachorrinha, por exemplo, já pensei em umas cinco músicas para ela.” É esse fluxo orgânico da cantora que define a identidade de Agora, seu novo álbum. Bebel conta que as músicas desse projeto foram criadas em diferentes fases de sua vida — antes mesmo de ela decidir que virariam um álbum. “Quando comecei a compor, estava em uma viagem maravilhosa, em Apúlia, na Itália, era outro astral. Depois voltei para Nova York, sentei com o Thomas e começamos a escrever. De cara, saíram as duas primeiras, ‘Tão Bom’ e ‘Agora’”, explica Bebel, referindo-se a Thomas Bartlett, produtor do álbum e seu parceiro musical de longa data. Já “Cliché” foi escrita mais tarde, em um dos períodos mais difíceis da vida da cantora: dois dias antes da morte de seu pai, o cantor e compositor João Gilberto, em julho de 2019. “Eu nem estava pensando em música, mas o Thomas me chamou no estúdio e me mostrou ‘Cliché’. Fiquei apaixonada, saiu na hora”, diz a artista. A seguir, Bebel conta, faixa a faixa, mais histórias por trás de Agora. “Tão Bom” “Esta foi a primeira música que escrevi, coincidentemente. Compus ‘Tão Bom’ com o Thomas Bartlett e foi engraçado, já até contei isso em algumas entrevistas, quando a gente estava criando não tinha esse compromisso de fazer um álbum. Ele separou uns samples, umas ideias, e a coisa foi indo. Esta música é simples, quase hipnótica. Quando o Thomas começou a compor as faixas, ouvi esta e imediatamente falei: ‘Não precisa nem tocar mais, já estou sentindo a ideia que quero’, e ela nasceu. Pelo menos para mim, a composição não é uma coisa linear. Muitas vezes a gente leva dias compondo uma música ou não consegue resolvê-la, e tem dia em que a gente escreve e a música sai inteira. ‘Tanto Tempo’ foi assim, ‘Preciso Dizer que te Amo’ foi assim, ‘Tão Bom’ também. E a letra não deixa de ser um pouco autobiográfica, porque canto para o Thomas, que é um grande amigo, ‘Tão bom estar com você, tão bom te encontrar’. Foi um momento nosso e o começo de tudo.” “Agora” “Esta e ‘Tão Bom’ foram as duas músicas que a gente compôs logo de cara. A gente continuou se encontrando sem levantar bandeira, não sabíamos direito no que aquilo ia dar, sabe? O Thomas me deu várias ideias para levar para casa, tipo dever de casa. Quando ouvi o começo de ‘Agora’, não podia imaginar outra música que não fosse essa coisa meio falada, meio maluca, sabe? Porque era um som muito exótico, muito excitante, me fazia pensar: ‘Isso aqui é trilha do 007.’ Aí gravei em casa, em cima da base que ele me mandou, depois a gente se encontrou e a música saiu.” “Cliché” “Esta foi uma das últimas que colocamos no álbum, e ela tem uma história importante. Decidi ir embora de Nova York e voltar para o Brasil para cuidar dos meus pais — minha mãe (a cantora Miúcha) faleceu em dezembro de 2018 e, seis meses depois, meu pai (o cantor e compositor João Gilberto) também nos deixou. Então, quando cheguei aqui, estavam os dois doentes, deixei minha vida lá e vim para cá, sem casa, estrutura. Depois de 27 anos, foi um baque. E, nessa situação toda, eu não tinha mais cabeça para pensar em álbum. Foi uma fase muito difícil, a última coisa em que eu queria pensar era em fazer música. Eu estava preocupada com a minha mãe e com o meu pai, estava muito, muito triste, exaurida, foi um período barra-pesada. Durou pouco, mas foi intenso. Aí, no meio disso tudo, tive que ir para Nova York para fazer uns shows que já estavam marcados, e o Thomas me ligou e disse: ‘Tenho quatro faixas prontas para você’. Quase desliguei o telefone, ‘Ah, não, mais música?’ Mas fui para o estúdio, e lá estava ele, tocando ‘Cliché’. Quando ouvi o primeiro acorde, foi tipo: ‘Pelo amor de Deus, o que que é isso?’ Aí a música saiu na hora. Escrevi dois dias antes de o papai falecer.” “Bolero” “Esta também foi uma das últimas do álbum. Na verdade, escrevi esta música antes de me mudar para o Brasil, mas só gravei quando voltei para Nova York, um mês depois da morte do meu pai. E a coisa toda de ‘Bolero’ é que a gente já estava namorando uma música nesse estilo, com a letra em espanhol. Aí saiu esta música. Eu estava tensa com o espanhol, mas a Jennifer Charles, que é nossa compositora também e trabalha com o Thomas há muito tempo, é casada com um espanhol e fala a língua perfeitamente. Então ela me ajudou com a letra e gravei a música com os dois — a Jennifer de um lado, para garantir que eu estava cantando certo, e o Thomas de outro, querendo que eu fosse a mais espanhola possível.” “Essence” “Esta é sobre uma relação, uma história que vivi muito particular, não falo muito sobre ela. Mas gosto muito desta música, também tem uma história engraçada. Há um ano, a gente participou de uma campanha do (estilista) Francisco Costa, em que ele usou pequenos trechos de músicas do álbum. E quando a gente estava lá, gravando, ficava um entra e sai de gente no estúdio. Filmagem demora, né? Aí estávamos lá quando, de repente, tive uma ideia. Chamei o Thomas e disse: ‘Estou com esta música na cabeça, o que você acha?’ E aí a ‘Essence’ nasceu durante o intervalo da mulher da filmagem, que tinha ido ali tomar um café e voltou. E tem uma parte engraçada que, no momento em que falo, na música, ‘perdoar’, ela abre a porta do estúdio e o som vaza na gravação. Eu não quis fazer de novo, achei que casou. Claro, depois finalizei o vocal com calma, mas o ‘clac’ da porta ficou lá, do dia em que escrevi a música. Acho que uma das coisas mais legais, não só desta faixa, mas de todo o álbum, é que foi uma produção bem natural, espontânea, sem efeito de voz nenhum, só microfone.” “Na Cara” “Esta já era uma das melodias dessa época de Apúlia. Aí, logo que voltei de viagem, encontrei a Mart'nália — ela sempre ia para Nova York — e fomos almoçar. Cantei para ela a melodia e ela respondeu: ‘Adorei, vamos gravar.’ Mas acabamos perdendo contato e só fomos terminar a música acho que mais de um ano depois. Ela acabou fazendo o vocal também. Ficou ótima, gosto muito desta.” “Deixa” “Esta foi uma das primeiras que a gente fez. Acho que o Thomas queria fazer uma coisa meio samba, Carnaval, sabe? A gente se divertiu muito com ‘Deixa’. Logo de cara, o meu empresário falou: ‘Esta tem que ser a música de trabalho. Adoro, é muito up.’ E aí ficou aquela música meio maluca, uma letra que não tem muito nexo, mas fico impressionada porque as pessoas curtem muito. Fico feliz com isso, na verdade, é tão difícil fazer uma música animada — para mim, pelo menos. Meu som é uma coisa meio melancólica, então cai bem esta música mais pra cima. Quebra um pouco, né?” “Raio” “Esta teve um processo parecido com o da ‘Essence’. A gente estava gravando a voz do ‘Na Cara’, eu já tinha mais ou menos uma ideia na cabeça, comecei a cantar para a Mart'nália e ela me deu de presente aqueles vocais do começo. Aí escrevi também na hora a música e ficou o ‘Raio’. Eu e o Thomas escrevemos muito rápido. A gente tem essa facilidade que é muito bacana.” “Yet Another Love Song” “Foi dessa fase quando voltei para Nova York e o Thomas queria fazer músicas novas. Comecei com essa história da contagem, e aí, no estúdio, a gente pensou que seria legal ter essas contagens de pessoas diferentes. Então liguei para uma amiga minha judia, fiz ela cantar em hebraico, liguei para a minha prima alemã, chamei-a para cantar em alemão também, depois para uma amiga que cantou em francês, e a Jennifer cantou em espanhol. Aí ela foi ficando com esse ‘shape’ de música sem nexo, com essas frases soltas. Mas eu nem sempre escrevo uma letra pensando que ela tem esse compromisso com a música. Então, quando escrevi a frase ‘She's crying diamonds all over her face’, era algo que eu estava passando também na minha vida, mas, na música tem esse toque quase de uma viagem de ácido. É daquelas músicas que você escuta de olhos fechados e pensa: ‘Nossa, quanta coisa tem aqui’. Acho que ela tem um clima psicodélico, e eu curto isso, ela deu uma característica bacana para o álbum.” “O Que Não Foi Dito” “Escrevi esta música para o meu pai. Foi na época em que estava saindo a interdição [a cantora pediu a interdição judicial do pai em 2017]. Ele nunca chegou a escutar esta música, e foi uma pena, porque ele morreu antes de sair o álbum. Mas, para mim, foi muito importante porque falei tudo o que estava acontecendo e ‘O Que Não Foi Dito’ é justamente o que não foi dito para ele. E me senti culpada muitas vezes, porque sempre fui a filhinha dele. Mas, no fundo, acho que ele sabia que eu estava cuidando dele.” “Teletransportador” “Esta foi uma das primeiras que a gente fez também, logo depois de ‘Tão Bom’ e ‘Agora’. Adoro, adoro esta música. E acho que ela fala desse momento, uma fase legal minha e do Thomas, porque ele estava bombando, fazendo milhões de coisas, com uma agenda complicada, e eu falava para ele: ‘Queria te teletransportar.’ Então era uma piada interna nossa, muito legal.”

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