É difícil encaixar Ton Carfi em um único gênero musical. Claro que o paulista de São José dos Campos tem suas raízes bem fincadas no gospel – hoje pastor, frequenta a Igreja Batista desde criança, onde também começou a cantar. Mas Ton não para por aí. “Eu também me considero um cantor de R&B, que é um gênero que passeia por várias vertentes: pela soul music, pelo rap e, às vezes, até pelo jazz”, ele conta ao Apple Music. “Todas as minhas influências são da música negra americana, tanto de black gospel quanto de artistas como Chris Brown, Bruno Mars, essa galera bacana. Da igreja, gosto muito de um líder de coral chamado Kirk Franklin, ele é um cara espetacular.” Seu álbum Tríade, que reúne músicas gravadas ao vivo no show de mesmo nome, no fim de 2019, explora justamente essa miscelânea de estilos. Abre com um trap em “Olha Eu Aqui”, gênero até então pouco explorado por Ton, passando pelo funk das décadas de 70 e 80 em “Vivo Pra Deus” e, como não podia faltar, trazendo as tradicionais canções que remetem ao culto, como “Incendeia”. Tudo isso, Ton explica, sempre permeado pelo R&B. “Nos meus trabalhos, em geral, você vai encontrar muita coisa: música eletrônica, piano e voz, violão e voz, música com coral, mas sempre dentro do R&B”, diz. “Além disso, mesmo explorando diferentes estilos, o álbum precisa contar uma história, refletir aquele momento que o artista está vivendo. Por isso gosto tanto de álbuns, e não só de lançar singles. Ouvir um álbum completo é uma experiência muito diferente de ouvir apenas uma música.” Além da rica mistura de ritmos, para Ton é essencial que as letras toquem profundamente seu público. “Minhas canções não são apenas músicas. Sou eu querendo levar uma mensagem de conforto e de paz, principalmente nestes tempos de pandemia que estamos vivendo. É um momento muito difícil, mas sabemos o poder que a música tem de nos ajudar, nos dar mais ânimo. Então meu desejo é que este álbum possa entrar no coração das pessoas, trazendo um pouco de paz e alegria”, explica. A seguir, o cantor fala mais sobre letras e estilos por trás de cada faixa de Tríade. Olha Eu Aqui (Ao Vivo) “Eu sempre quis gravar um trap, nunca tinha feito um trap originalzão. Aí, um dia, eu estava na academia, correndo na esteira, e pensando no que Deus fez na minha vida, como as coisas aconteceram para mim. Vim da periferia, sou negro, sofri muito preconceito, mas consegui chegar aonde cheguei, aonde Deus quis que eu chegasse. E aí surgiu esta canção, que fala disso: ‘Me disseram que eu não ia conseguir, olha eu aqui.’ Já contei essa história em outras músicas, sobre muita gente não acreditar que eu poderia me tornar um cantor. Lutei contra todas as mensagens negativas que diziam que eu não ia chegar lá, que eu não ia vencer. Mas consegui, graças a Deus. Claro, ainda tenho muito a conquistar, mas cheguei a esse lugar na música gospel. É uma resposta para todas essas pessoas que disseram que eu não conseguiria. E esta música não reflete apenas a minha vida, todo mundo tem uma história de superação, todo mundo tem um sonho que foi desacreditado por alguém. Às vezes, a própria família não acredita em você, seus amigos, pessoas próximas. Riem de você, dizem: ‘Você está maluco? Como é que bota esse sonho na sua cabeça? Você nunca vai alcançar isso.’ Então é uma música justamente para estimular as pessoas que estão ouvindo esse tipo de coisa hoje, talvez outras pessoas que também moram em periferias, em situação de risco, que sofrem discriminação de todos os tipos. É um incentivo para que elas também consigam acreditar que podem alcançar o que quiserem. Se você pode sonhar, também pode fazer, chegar lá. Eu também canto: ‘Eles me julgam por minha aparência, mas quem garante a minha sobrevivência?’ Então falo muito sobre essa questão, do julgamento das pessoas sobre nós. Porque, do nosso ponto de partida, de onde a gente sai, as pessoas não têm a dimensão de onde podemos chegar. Nesse ponto de partida a gente não tem nada, só tem o sonho.” O Maior Amor do Mundo “Esta música é muito bacana, escrevi a letra para relatar o amor de Deus porque não existe amor maior que o Dele. Tem uma passagem na Bíblia que diz: ‘Pode uma mãe esquecer do filho a quem amamenta?’ A gente sabe que o amor de mãe é muito profundo, muito forte, mas, às vezes, a gente vê essas notícias terríveis de mães que abandonam seus filhos em lixeiras, coisas que acontecem pela maldade que está no coração de alguns seres humanos. Então Deus fala: ‘Mesmo que uma mãe venha a se esquecer do seu filho, não vou me esquecer de vocês.’ O amor de Deus transcende o nosso entendimento. Deus entregou Jesus, seu próprio filho, para salvar o mundo. E o próprio Jesus se entregou à cruz, morreu para que, hoje, nós pudéssemos retomar o contato com a nossa espiritualidade, com a nossa fé, com Deus. Tem muita gente que não entende por que Jesus morreu na cruz. Foi para nos conectar novamente a Deus, um contato que já não tínhamos mais. Então não existe um amor maior que esse, sabe? Eu talvez desse a minha vida para salvar um ente querido, mas não para salvar um desconhecido, e jamais daria a vida da minha filha por ninguém, mas Deus deu a vida do próprio filho, e Jesus deu a própria vida para salvar desconhecidos, para salvar bandidos, para salvar todo mundo. Então é um amor que vai muito além do que podemos entender. A gente não consegue ter dimensão do que é o amor de Deus, e é justamente isso que eu falo nesta música: é o maior amor do mundo.” Vivo Pra Deus (Ao Vivo) “Escolhi esta música porque, além da mensagem sobre entregar nossa vida para Deus, ela me lembra o Bruno Mars, um artista de quem gosto muito. Até o estilo da produção lembra muito esse funk que, se não me engano, é anos 70 ou 80. Daí a gente veio nessa linha do Bruno Mars e escolhi esta música justamente por conter essa particularidade, a essência desse funk de que gosto.” Sê Valente (Ao Vivo) “Esta música é maravilhosa. O compositor dela é o Marcos Almeida. Eu me lembro quando a ouvi, na voz dele, pela primeira vez: estava dentro do avião, não lembro para onde, e fiquei ouvindo durante toda a viagem, na volta também, sem parar. E ela tem uma letra um pouco complexa de entender, porque o Marcos é um poeta. Mas a mensagem principal é Deus dizendo para nós: ‘Olha, você vai enfrentar lutas e dificuldades, mas sê valente. Na batalha contra o mal, sê valente, porque vou estar com você.’ É uma música linda, com uma mensagem maravilhosa, por isso resolvi gravá-la.” Se Envergonhar Porquê (Ao Vivo) “Esta é uma música minha baseada em uma das passagens da Bíblia, que diz: ‘Não me envergonho do Evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê.’ E me lembro de que, durante muito tempo, principalmente na minha infância, eu tinha vergonha de falar que eu era de Cristo, que eu era de Deus, uma pessoa cristã, até por conta também de como a religião era tratada naquela época. As pessoas eram muito mais religiosas do que são hoje e estavam muito mais preocupadas com que tipo de roupa você podia usar, que tipo de música você podia cantar ou ouvir. Mas Jesus andava com todo mundo, ele não tinha preconceito. E, a partir do momento em que fui crescendo e entendendo quem Jesus era realmente, vi que não tinha a ver com aqueles ritos que eu seguia quando era criança. Hoje não tenho mais vergonha do Evangelho de Cristo. Por onde passo, falo de Deus, de Cristo, claro, sem encher o saco de ninguém, mas gosto de falar, principalmente nas minhas músicas, minhas composições.” Infinitamente Mais (Ao Vivo) “Esta é linda. Uma música de Samuel Messias, grande compositor, que escreveu ‘História de Davi’, que lancei alguns anos atrás. E esta é uma canção que também tem um contexto bíblico, em que Deus fala que é capaz de realizar infinitamente mais do que tudo aquilo que pedimos ou pensamos. Isso acontece às vezes na nossa vida: a gente quer algo, sonha com algo, e Deus nos surpreende com coisas ainda maiores. Até mesmo com coisas materiais que vêm do nosso esforço. Você sonha com uma casa, aí, por meio do seu trabalho e com a ajuda de Deus, você conquista uma casa melhor, uma família abençoada. O que eu vivo hoje é infinitamente mais do que aquilo que pedi, justamente porque Deus nos provê todas as coisas. Claro, Ele não nos isenta do trabalho, do esforço, Ele não faz aquilo que cabe a nós, mas dá uma forcinha. Igual a um pai com um filho.” Incendeia (Ao Vivo) “Esta é uma canção voltada para a Igreja, para aquele momento do culto, da adoração. É um momento em que todo mundo está reunido, com as mãos levantadas para cima. Costumo sempre fazer músicas mais abertas, abrangentes, que podem alcançar pessoas que não são da minha Igreja, da minha religião, e que podem ouvi-las e se identificar com elas. Mas ‘Incendeia’ é uma letra muito peculiar do momento do culto. Então é uma música muito bacana, me lembra as músicas das igrejas negras americanas, que também é um gênero musical de que gosto muito, por isso decidi colocá-la no álbum.” Fica (Ao Vivo) “É a canção que mais amo deste álbum. Foi uma música que escrevi em uma madrugada, foi lindo. Deus falou comigo: ‘Vai para o piano.’ Aí eu fui e comecei a cantar ‘Fica’, de uma vez. Ela fala da presença de Deus em nossa vida, eu sei que Ele está sempre presente, mas existe uma diferença entre estar presente e ser presente. A gente sabe que ele está conosco o tempo todo, mas há momentos em que sentimos a presença dele. Nesta música, canto: ‘Fica só mais um pouquinho, Deus, fica’, porque sei que ele está sempre aqui, mas aquele momento em que me ajoelho, falo com ele e sinto a presença dele, é especial. Então, canto: ‘Deus, fica mais um pouquinho aqui, está tão bom isso que estou sentindo no meu coração, na minha alma, na minha mente.’ Então é dessa presença manifesta que estou falando. Por isso, para mim, esta música é uma das mais especiais do álbum.” Sou Teu Deus (Ao Vivo) “Esta música é muito bonita, fala do amor de Deus e da proteção que Ele oferece às nossas vidas. É também uma canção com uma letra bastante voltada para o culto. Ela fala da igreja e da paternidade de Deus: ‘Sou teu Deus, vou estar com você. Fique tranquilo, por onde você andar, vou estar com você’.” Eu Sou (Ao Vivo) “Esta é uma faixa muito especial, gravei com a Bruna Karla, uma grande expoente da música gospel. Nós levantamos nossas mãos juntos e cantamos o refrão: ‘Quem mais é filho desse Deus, grita: eu sou, eu sou’. Nós expressamos nossa gratidão e o nosso orgulho por sermos filhos de Deus, nosso pai, nosso provedor. Se nós somos os filhos do criador de tudo, também somos herdeiros de tudo. Andamos sobre esta terra como príncipes, não mais como escravos, porque o nosso Deus, que é o criador de tudo, é o nosso pai também.”