raiz

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Francisco Gil, ou apenas Fran, dispensa apresentações. Filho de Preta Gil e neto de Gilberto Gil, o músico já trilhava uma carreira na música compondo para outros artistas e com os Gilsons, banda ao lado dos primos. Mas só agora faz sua estreia solo, com o álbum Raiz, em que mergulha na sua ancestralidade e nas matizes africanas. “É um álbum que tem uma ligação muito forte com o meu momento espiritual, com o reconhecimento do meu ser, com meu lugar de fala, do meu posicionamento diante do mundo mesmo”, afirma Fran, que contou com um “empurrãozinho” do amigo Russo Passapusso, vocalista do BaianaSystem, para perceber que precisava se lançar solo. A faixa “raiz”, que dá nome ao álbum, foi escrita com Russo. “Ele nunca tinha me visto cantando, e aí a gente conversou pra caramba. Desse encontro saiu a canção que dá nome ao álbum e, ao mesmo tempo, toda concepção, conceito, do que é dito no álbum.” Além de Russo Passapusso, a estreia de Fran tem participações de gente como Kainã do Jêje, Pretinho da Serrinha, Mestrinho, Pedro Baby, Davi Moraes, produção dele em parceria com Pablo Bispo, Ruxell e Sérgio Santos, e duas bênçãos muito especiais: Caetano Veloso e Gilberto Gil, que também engrandecem a estreia musical de mais um membro da família Gil. “Eu precisava ter guardiões ali junto comigo. É um álbum que, sobretudo, fala sobre ancestralidade, fala sobre raízes, fala sobre de onde vem isso tudo. E a partir do momento que a gente fala sobre ancestralidade, fala sobre raiz, se conecta com aquilo que é o nosso chão, a nossa base, automaticamente eu falo de Caetano Veloso e Gilberto Gil”, explica Fran. “Surgiu como um desejo, por mais que Caetano seja meu tio e Gil seja meu avô, não é moleza você mostrar uma música para eles e os caras toparem gravar.” Abaixo Fran comenta as faixas de seu álbum de estreia: 1. coração tambor “Eu tinha uma necessidade de ir mais fundo nessa questão das minhas raízes, aí voltou para essa questão da ancestralidade. Foi uma canção que nasceu de uma forma quase que psicografada, estava tocando meu violão, fechei os olhos e surgiu toda a harmonia da música e me veio o canto do ‘Epa, Babá’, que é uma saudação a Oxalá, que na verdade é uma saudação que sempre escutava na minha frequência dos terreiros, mas não sabia exatamente o que isso significava. Escrevi esta canção inteira e depois fui procurar o que era a saudação exatamente. Vi que ela era exatamente uma saudação para Oxalá, que é essa figura primária da minha ancestralidade. Foi uma canção que veio lá do inconsciente mesmo, para trazer consciência para mim. A escolha dela para abrir o álbum é 100% por conta disso, ela é a base de tudo, dali que parte tudo. Não só para abrir o álbum, mas abrir a minha carreira solo, para as pessoas que estão me escutando agora, me ouvindo como Fran, e vão ouvir ‘coração tambor’. Desde que ela foi composta, eu já tinha essa vontade, na hora de gravar o Kainã do Jêje, que é um percussionista lá de Salvador, foi fundamental. O álbum começa com ele, com toques sagrados ali. Aí tem a guitarra do Pedro Baby, o Ruxell fez as programações junto com o Serginho, eu gravei os violões. Ela é talvez a canção mais especial do álbum, a que eu mais gosto de ouvir, de mostrar para as pessoas. Não poderia estar mais feliz com esta canção, foi um presente mesmo que recebi, tenho total consciência.” 2. raiz ft. Russo Passapusso “ A faixa ‘raiz’ é a mais importante do álbum, com certeza. Não só por ser a canção que dá o nome, mas por ser a canção que dá origem ao álbum como um todo. A presença do Russo foi muito importante para tudo isso, porque a gente tem nossos guardiões ancestrais, que são Caetano e Gil, mas o Russo é um cara que é da minha geração, então é uma conexão que se difere, é o cara contemporâneo. A gente virou ‘brother’ através dessa canção, a gente teve uma aproximação de uma admiração mútua musical, essa canção culminou nessa conexão da gente. Ela é uma canção nossa que fala sobre Xangô, que fala sobre raiz, é uma canção elementar. Foi uma canção que deu origem a tudo, e mais uma vez o Kainã veio com as percussões. Quem gravou as guitarras foi o Davi Moraes, um ídolo supremo para mim. O meu violão nasceu do violão dele e do Pedro Baby, era moleque e foram eles que me ensinaram a tocar. O Davi gravou as guitarras, e elas são muito épicas na canção, muito marcantes para mim. E ‘raiz’ tem essa importância toda, é o nome do álbum.” 3. divino amor ft. Caetano Veloso “É uma canção que fez muito parte do nosso laboratório no estúdio junto com Pablo, Serginho e Ruxell. A gente entrou numa bateria de composições muito positiva, muito boa. Criamos um método, a gente começou a levantar conceito. Nessa, Pablo falou, ‘o que você acha de divino amor?’. Vamos falar de ‘divino amor’, nome da canção já. Aí eu pirei no conceito, vamos falar sobre o encontro de dois orixás, sobre o amor de dois orixás e trazer isso para um ambiente moderno, dois orixás andando de mãos dadas de Ondina até o Pelô. A canção surgiu desse desejo, de falar sobre esse amor ao mesmo tempo divino, mas também terreno, atual. Foi uma dessas canções que a gente fez em 15 minutos, peguei meu violão e já saiu refrão, os versos e logo que a gente compôs falei, ‘esta música é a cara do Caetano’. Ela nasceu um samba-reggae bem pra trás e acabou virando um samba pra frente, moderno e tal. O Pretinho da Serrinha gravou tudo o que você pode imaginar nessa música. Todos os instrumentos percussivos. Estávamos no estúdio nesse dia eu, ele e Pedro Baby, que gravou violões na canção também, umas guitarras. Quando mandei a música para Caetano, era uma versão só voz e violão. Eu tocando na escada, com reverb e tal, e ele pirou. Só que a música era lenta, tinha outra levada, estava mais pra trás. Quando ele chegou ao estúdio, ele até esqueceu o que tinha escutado, terminou de ouvir e falou, ‘mas que delícia essa música, que balanço gostoso’. Aí ele gravou com tesão, foi muito bom.” 4. eu mais tu “Ela é um forró que também tem uma coisa muito baião, meio Luiz Gonzaga, ao mesmo tempo tem uma coisa meio ‘Esperando na Janela’. É a canção que, acredito, seja a mais pop do álbum. Ela também teve um nascimento bem específico. A gente estava ali no meio daquela coisa toda, das composições, e o Pablo estava guardando a sete chaves esse refrão. Esse refrão quem fez foi o Rapadura, que é um rapper nordestino de quem eu sou muito fã. Ele tinha deixado esse refrão com os meninos. O Pablo estava guardando e me mostrou, achou que eu fosse achar muito pop, que eu fosse achar que era uma coisa que não estivesse muito dentro. Mas na hora que ele me mostrou, eu escrevi a letra inteira da música e me veio a visão brutal da canção como um todo. Na hora que ele me mostrou o refrão, eu falei, ‘vamos lá, vamos gravar’. Disse que a gente tinha que trazer o Mestrinho, ele é o sanfoneiro que mais admiro, que a gente tem atualmente na nossa música. Conheci-o através do meu avô, quando ele fazia o show do Gilbertos Samba. Ele tem uma capacidade criativa, faz um carinho assim na canção, a participação dele é determinante na música. Fui conhecer o Rapadura depois desta composição, por sinal num camarim de um show do BaianaSystem. Fui falar com o Russo, com a galera toda, e o Rapadura estava lá. Eu falei, ‘bicho, a gente tem uma parceria’. Ele não estava nem sabendo, mas ficou amarradão.” 5. denguinho “A faixa ‘denguinho’ foi uma canção que veio na mesma onda de ‘divino amor’, ela nasceu de um ‘brainstorm’ temático, aí o Pablo mais uma vez veio e falou, ‘o que você acha de ‘denguinho’?’. Falei, acho ‘denguinho’ sensacional, vamos trazer isso para Bahia. A letra de ‘denguinho’ fala sobre um cara que está pedindo aos santos dele para encontrar um amor verdadeiro, é uma sofrência danada que o cara tem que pedir aos céus por favor, e a gente traz os toques dos santos, Kainã vindo mais uma vez com essa força. Ela é uma canção que também é muito especial para mim, porque ela tem uma questão rítmica diferente, ela traz um carimbó, que eu adoro também, um balanço diferente. A gente escreveu a letra desta música e também foi rápido. O Pablo também já tinha um verso; na hora que ele veio com o conceito, ele tinha um verso também. Foi igual um trem, porque a gente estava embalado nessa época. Foi uma das últimas músicas que a gente compôs.” 6. eu reparo “É uma canção que fiz para a minha mulher. Ela fala sobre uma forma bem sincera de relacionamento, aquela coisa da vivência. Quando escrevi, a gente tinha acabado de se mudar, a gente morava com a minha mãe, porque tive filho cedo, a gente teve uma relação muito rápida. A gente finalmente conseguiu sair de casa, ter as nossas contas para pagar no final do mês, aquela coisa toda. Aí começa aquela coisa do olhar verdadeiro do outro sobre você, a pessoa que está dividindo a sua rotina, uma pessoa que tem um olhar até mais profundo sobre você. Foi um período em que a gente começou a ter brigas, embates e tudo mais, e a canção nasceu no meio de uma briga, a gente brigou e eu fui para a varanda de casa, sentei, peguei o violão e saiu a música inteira. Ela fala justamente sobre isso, ‘olha pra mim e me diz o que só você pode me dizer, olha mais fundo em mim e me diz’. E é isso, tanto que, depois que eu mostrei a música para ela, a gente fez as pazes (risos). Ela é uma canção muito especial para mim, tinha que ter uma canção para Laura (Fernandez) no álbum. A gente está falando sobre isso tudo, mas estamos falando sobre amor no álbum.” 7. bateu forte “Costumo dizer que esta é um pouco da continuação do projeto Niara. Porque é isso, tenho esse viés forte de canções pop, sempre compus muito refrão e frases assim, quase que um talento que eu deixava meio de lado. Não queria muito mexer naquilo, vamos fazer minhas canções de violão e tal. O projeto Niara tinha essa força das canções pop, mas aí o projeto acabou adormecendo, ficaram todas essas canções no armário. Numa noite em casa, no meio dessas composições todas com os meninos, sentei e pensei, ‘vou fazer uma canção para bater forte mesmo’. A ideia era essa mesmo. Uma canção sexy, canção para fazer amor mesmo. Adoro quando as pessoas falam que fazem amor ouvindo as minhas canções. Foi a intenção mesmo. Ela nasceu dessa forma, e os meninos piraram, porque eles gostam de canções dessa forma. Mostrei para eles só voz e violão, e eles falaram que tinha que ser isso aí, a gente faz o balanço todo em volta disso. É um R&B clássico, mas ele está em volta do meu violão. Todas as canções nasceram da voz e violão, e em todas isso está presente.” 8. leve axé ft. Ruxell “Esta canção partiu 100% do Ruxell. No meio desse processo, cada um tinha uma coisa guardadinha, o Ruxell estava com este beat guardado. Ele veio todo cheio de vergonha, ‘pô, Fran, vê isso aqui, vê se você gosta’. Eu não parei nem de escutar a música, comecei a canetar, no segundo compasso eu já estava escrevendo coisa. Na primeira vez que ele terminou de tocar a música, eu já tinha o esqueleto dela toda. Aí depois já gravei meu violão, já trouxe toda uma identidade, gravamos umas percussões e fechou. Esta canção foi bem rápida. Ela é um privilégio, porque o Ruxell é um cara de quem gosto muito, um cara muito importante para o álbum, então ter ele como uma participação foi bem bacana.” 9. afro futurista ft. Gilberto Gil “Ela fecha o álbum e tem todo um sentido. Primeiro que ela retoma um pouco assim ao início, só que ela retoma já falando lá na frente. Quando abre o álbum, eu estou falando de um ponto de partida, de uma questão primária, totalmente ancestral, raiz e tal. Em ‘afro futurista’, ligo a coisa da raiz com a coisa da projeção de um futuro. Ela fala justamente sobre essa coisa da diáspora, da forma como ela se espalha. Ela por si só já carrega muita dor. Uma história que tem muito disso, mas, ao mesmo tempo, quem vive isso agora, essa coisa da cultura que a gente teve oportunidade de receber, é um presente mesmo. Então nesta canção eu falo muito sobre isso, a forma como se espalhou, é o que eu falo no verso: ‘Sou budista de Oxalá, kardecista de umbanda’. Uma mistura, né? Isso tem muito a ver com o que meu avô fala nas canções dele, por isso foi uma coisa que fui levar para ele, porque estou falando sobre negritude, África, é preciso ter essa troca com figuras que possuem uma representatividade enorme nesse assunto. Depois de levar para a aprovação dos meus santos, levei o álbum para o meu avô. Ela tem muito a ver com as coisas do meu avô, são referências claras. A gente ressignifica esse conceito de afro-futurismo na canção. Ter meu avô na canção não tem muito o que falar, ele é o meu maior ídolo. Esse momento estava guardado, era um sonho que a gente tinha. Meu avô se tocou que estava gravando com a terceira geração, ele já tem filhos que gravaram álbuns, minha mãe já gravou, o Ben, alguns outros filhos que cantam também. Depois que nós gravamos, demos um abraço de horas e choramos. Depois ele ouviu o álbum e também ficou emocionado.”

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