Isso Não É um Disco de Rap

Isso Não É um Disco de Rap

Em Isso Não É um Disco de Rap, Fabio Brazza entrega um de seus trabalhos mais maduros e, curiosamente, o mais rap de sua carreira. Com produção de Paiva e participações especiais de Péricles (“Só Uma Noite”), Luccas Carlos (“Tattoo”), Haitam (“Tá na Veia”), Srta. Paola (“Plágio”), Sant (“Centauros”), Gigante no Mic (“Vislumbre”), Vulto (“Armados de Poesia”) e Hélio Bentes (“De Volta Para o Passado”), o quinto álbum do paulistano traz batidas modernas e letras que mostram um artista de peito aberto. “É o meu álbum mais rap mesmo, mas acho que em questão de mensagens, este foi o que mais trouxe sentimentos pessoais. Costumo fazer músicas mais emotivas, mas geralmente num contexto mais coletivo, sociológico, neste me permiti ser mais vulnerável, me abri mais”, explica Fabio Brazza ao Apple Music, que escolheu o nome do álbum inspirado na obra “Ceci n’est pas une pipe” (Isto não é um cachimbo), do artista surrealista belga René Magritte. “Isso Não É um Disco de Rap é meu coração derramado em cada track, é uma representação de um álbum de rap, porque nem CD físico vai ter mais, só a representação dessa narrativa que criei na minha mente. Ele tá aí na nuvem, no seu computador, mas ele em si não existe, é só a representação [risos].” Ao longo da trajetória, Brazza sempre tentou ir além do rap. Seus trabalhos têm influência do samba e de outros ritmos brasileiros. E mesmo entregando seu álbum mais rap, Fabio Brazza manteve sua experimentação musical, algo que já virou uma marca em sua carreira. “Tem músicas em que me arrisquei em territórios diferentes, tem lá ‘Gratidão’, que é um reggaeton, tem trap — até então não tinha rimado um trap —, mas tem também os territórios que são mais a minha cara, aquelas músicas que você escuta e sabe que é a minha cara mesmo”, afirma. Com 30 anos, Fabio Brazza quis mostrar em suas composições que amadureceu e, principalmente, superou a depressão. “Hoje, já não quero fazer a rima mais f***, quero fazer a rima mais sincera. Já não estou deixando as palavras me guiarem tanto, agora que tenho mais vivência, estou deixando o sentimento me guiar mais, tenho mais sentimentos como matéria-prima”, conta Brazza. “Este é um álbum que pode até inspirar alguém a mudar a si mesmo, mas é um papo meu comigo mesmo. Tudo que falei ali, estava falando para eu mesmo escutar, sabe?” Abaixo, Fabio Brazza comenta cada uma das faixas de seu novo álbum: “Centauros” “Bom, nesta música eu estou tentando encontrar sentido em fazer rap de novo. No ano passado quando estava meio depressivo, numa fase sombria, a utopia de que o rap transforma vidas e que eu ia mudar o mundo com ele, de repente desmoronou. Falei, ‘pô, não consigo nem mudar a mim mesmo para que fazer rap?’. No rap a gente fala tanto de drogas e armas, você vê, nossos ídolos morreram baleados ou de overdose. No fim, até que ponto o rap muda alguma coisa? Ainda mais o meu estilo de rap, que tem muita poesia e cultura. Ninguém quer ouvir isso. A galera quer a noite, quer dançar e esquecer os problemas. Por que eu vou querer trazer isso nas minhas músicas, será que alguém está me escutando? Seria muita utopia viver de poesia num país onde a cada três farmácias que abrem, uma livraria fecha. A cada som eu me cobro por mais sabedoria, mas nesse mundo sem sentido o que a minha música faria? Estou me questionando, até que ponto esse sonho era real, Brazza? Até que ponto você está fazendo isso para mudar o mundo? Ou está fazendo isso para se dar bem? Olha aí, você tem patrocínio, a Nike manda roupa para você, você tem views, seguidores, o que você conseguiu com o rap? O que você mudou realmente, além de mudar a sua própria vida? Estou me questionando porque, até eu me perdi nesse caminho de alguma maneira. Perdi o sentido tão genuíno que eu tinha quando era jovem, onde ele foi parar? Cadê aquele propósito de fazer rap, cadê o Fabio que começou a fazer rap por amor, porque acreditava nele? Onde deixei cair no meio do caminho esse pedaço de mim que preciso voltar para buscar? Essa música questiona a cena, mas me questiona também. E acho que a resposta, a esperança chega no refrão: ‘Joga as mãos para o céu e as armas no chão. Vamos abaixar as armas, vamos acabar com a violência, vamos parar de exaltar isso no rap, baixa as armas, levanta a mãos pro céu e mira o papel, e acerta bem no coração. Se só o que eu tenho é uma chance, uma rima, não posso falhar na missão, mira o papel e acerta no coração’. Se tenho a chance de mudar a vida de alguém com uma rima, com uma frase, vai, Brazza, você não pode errar, você tem essa munição e, na hora em que você apertar o gatilho, o tiro tem que ser certeiro. E foi muito significativo o Sant participar desta música, porque logo depois que o convidei, ele anunciou que ia parar de fazer rap. Também sofrendo um conflito existencial na cabeça dele e calhou muito bem, porque o Sant estava sentindo muito algo muito parecido, talvez até pior, porque ele realmente anunciou a aposentadoria. Muitas indecisões estavam fervilhando na cabeça dele e ele entrou com maestria: ‘Talvez a vida tenha seus motivos, talvez os meus motivos não tiveram vida’. Ele escreveu ali muita coisa que eu também estava sentindo. Quando ouvi a parte do Sant, eu chorei. Eu me vi naquilo e sei o quanto era real para ele também. Esta música foi muito especial.” “Plágio” “A ideia começou quando eu levei uma referência de um samba do Batatinha ao estúdio. Ele é um sambista baiano, e a composição era do Paulo César Pinheiro. ‘Mano, eu adoro muito a estética dessa música, é um samba mas tem um violino’. O Paiva pegou aquilo como exemplo e começou a recortar para fazer um sample, o beat da música. Eu estava ali ao lado dele pensando na ideia, no que eu poderia falar nela. E foi então que me veio a ideia da primeira frase, que foi o que me guiou: ‘eu vou samplear o teu sorriso e a cadência que eu preciso tirar do seu coração’. Sou eu roubando daquela mulher, plagiando um amor e as qualidades dela para compor a minha música. E acho que o artista é muito isso, a cada amor que a gente tem na vida, a gente plagia um pouco o que a gente vê na mulher, ou coisas até que ela fala, tem muitas frases que a minha ex falou que viraram música, e no fim o nosso amor deu errado, assim, não virou casamento, mas sempre vira um samba. Eu digo isso, ‘ah, tudo bem, não virou amor, mas vai virar um samba’. É uma maneira de ressignificar aquele sentimento, em vez de transformar aquilo num rancor, numa dor, vamos transformar isso em samba e jogar no mundo. O samba tem essa função na minha vida e aí eu falo na última frase: ‘Já que eu não posso te ter, façamos assim, fique com meu coração, deixe esse samba pra mim’. Esse samba vai me proteger, será a minha lembrança, será o meu escudo e a minha arma contra esse amor que me machucou, mas alguma coisa eu tirei de proveito, nem que seja a inspiração. Então não importa se é triste, ou se é alegria, mas que tenha poesia, né? Então esta música é assim, esteticamente ela é a que mais gosto, porque consegue unir o samba com o rap de uma maneira bem legal, e é muito difícil essa junção. Acho que gosto muito dela por causa disso, ela traz as minhas duas maiores influências — o samba e o rap —, com uma maestria. Acho que o Paiva acertou muito no beat. A Srta. Paola entrou pois eu senti que precisava de uma voz feminina com um ar de bruxaria. A voz dela aparece de fundo, como se eu tivesse roubado e colocado numa caixinha, e ela está ali aprisionada na minha música’ [risos]. Tipo, roubei você, plagiei, já era. Agora você vai morar na minha música para sempre [risos].” “Tá Na Veia” “Ele [Haitam] já morou na Venezuela e já tinha músicas em espanhol antes desta. Ele é bom, cara. O Haitam vai muito lá no estúdio. Ele também tem um escritório ali no mesmo prédio e está sempre por lá. Eu já tinha gravado uma música com ele, né? Uma música para o trabalho dele, ‘Buscando Luz’. No dia em que ele estava lá no estúdio, eu levei uma referência de música latina que eu gosto muito, Orishas, Tego Calderón, que foi o próprio Haitam que me apresentou. Falei, ‘mano, gosto desse beat latino e queria fazer uma coisa assim. Haitam, é você, mano, você que rima em espanhol e tudo, entra aí na cabine e pensa umas melodias latinas’. Essa faixa tem uma vibe incrível. Acho que ela preenche um espaço de música alegre, porque tem muita coisa reflexiva no álbum e eu não queria que ele fosse down. Essa música é pra cima, pra escutar de vidro aberto no carro, esticando a cabeça, celebrando a vida. É isso aí, música latina tem essa vibe.” “Vislumbre” “Esta foi a letra mais antiga do álbum. Eu fiz ela sem pretensão de entrar neste álbum, foi a primeira vez em que pisei no estúdio da White Monkey para gravar. E eu não ia gravar nem uma música minha, ia gravar uma música com o Nissin, o Oriente. Eu coloquei voz na música deles e depois o Paiva me mostrou uns beats. Eu nunca tinha rimado em trap, mas comecei: ‘disseram que o Brazza só rima boom bap, no trap não tem uma rima que caiba, mas saiba que o nível não cai, botei logo um beat do Paiva’. E fui rimando e o Paiva me incentivando, ‘vai, vai…irmão, bota a voz lá e já era’. Botei a voz nesse beat, ele mandou para mim e eu falei, ‘caramba, mano, fiz um trap, compus um trap e ficou pesado’. Aí o Gigante [no Mic] ouviu e me pediu para colocar uma voz nela. Essa foi a primeira que lancei dessa leva, no meio do ano passado. Não pensei que ela estaria no CD, achava que seria somente um single. Só que a galera gostou tanto, e com o tempo ela foi ganhando mais sentido. E até por ela ser um trap, né? Ser o Brazza rimando num estilo diferente, achei que tinha fazer parte do álbum. E a letra, tanto a parte do Gigante que é incrível, como na minha, ela passou a fazer mais sentido conforme o tempo ia passando. O feedback dela também foi muito positivo. ‘Vislumbre’ sempre faz parte da lista das músicas favoritas das pessoas. Então ela tinha que entrar no álbum mesmo, não tinha jeito’.” “Tattoo” “Eu componho muito com o Vulto. Ele é um mestre das canções românticas. No meu acústico ele cantou comigo a ‘Vou Te Levar’. Ele é craque nisso. E eu tenho uma dificuldade em fazer música de amor, não sei por que. Músicas que tratam de problemas sociais vão saindo, mas nas de amor eu sempre travo. Por isso disse para ele que estava precisando de uma romântica para colocar no álbum. Ele veio com esse refrão e eu escrevi meu verso. A gente gravou ela no estúdio, mas eu não estava convencido. Sentia que faltava alguém no refrão. Aí o Luccas Carlos apareceu no estúdio e nós nos conhecemos. Conversamos a madrugada inteira, já eram umas três e meia da manhã e falei, ‘mano, posso te mostrar uma música que tenho aqui, acho que é a sua cara’. Ele entrou na cabine, e na hora e nasceu outra música depois que ele pôs a voz. E ele é um hitmaker, ele põe a voz, e o bagulho fica assim, com cara de hit, né? Aí voltei ao estúdio com a voz do Luccas Carlos, mandei ela para o Vulto e falei, ‘toma essa, então’. O Vulto nem acreditou, falou, ‘c******, como que você conseguiu isso?’. Das músicas que lancei, esta é a que mais tem plays, estou impressionado. Não sei se já chegou a bater 4 milhões, mas ela vai muito bem. Então mais uma vez o Vulto acertou e o Luccas Carlos chegou daquele jeito.” “Meias Palavras” “Esta representa o Fabio que gosta de brincar com as palavras. Tenho um quadro lá no meu canal que se chama ‘Desafio de Rima’. Já fiz um rap só com palíndromos, outro só com o abecedário, um com as maiores palavras da língua portuguesa, um outro com pensamento em inverso. Gosto de pegar os desafios de palavras e transformar aquilo num quebra-cabeças de ideias, com aquele jogo de palavras e ‘Meias Palavras’ foi isso. É o meu lado criativo. Tenho uma música chamada ‘Sigla-me os Bons’, na qual só uso siglas. Então eu pensei em fazer uma música que terminasse falando para bom entendedor meia palavra basta. Eu escrevi esta junto com o Drum, que é o dono do estúdio onde gravo. Eu compartilhei a ideia com ele e ele começou a fazer freestyle sem terminar as palavras e eu fui respondendo. Começamos a brincar com isso, até que decidimos pegar o caderno e anotar porque criamos várias rimas da hora. E assim, em questão de uma hora, a gente escreveu a letra. Ainda faltava um trecho e o Drum falou que ia embora pois estava com sono. No dia seguinte, às quatro da manhã eu mandei para ele dizendo ‘terminei’ [risos]. Quando eu pego esses quebra-cabeças de palavras para fazer, não durmo até que tenha terminado. É um negócio viciante. Aliás, a música do palíndromo que eu fiz, foram cinco dias só escrevendo ela. Eu não dormia, entrei numa paranóia que se eu não terminasse meu cérebro ia pifar. Passei a semana toda pensando só em palavras pela metade; quando fiz do palíndromo, eu só lia as coisas ao contrário. Estava enlouquecendo, mas é aquela obsessão do poeta de achar sempre a ideia mais original. Ela é uma música em que as palavras são pela metade, mas as ideias são inteiras. Eu nem preciso terminar a palavra para você entender como está a situação no Brasil. Ao mesmo tempo, é o jeito de falar que, quem é bom entendedor mesmo, quem é sagaz dos assuntos, quem está prestando atenção na cena do rap, no que ta acontecendo politicamente, vai entender o que estou querendo dizer sem que eu termine as palavras.” “Armados De Poesia” “Eu compus o primeiro verso dessa letra para Negra Li. Ela gravava lá no estúdio da White Monkey. Até no álbum dela, eu e o Vulto compusemos sete músicas. Quando compus esta para a Negra Li, eu só tinha o primeiro verso e ela estava cansada e não quis gravar. Foi então que eu dei ela para o Vulto colocar no álbum que ele estava gravando. Mas ele falou: ‘Brazza, você é louco, essa letra está muito boa, me recuso a pôr no meu álbum, você tem que pôr ela no seu. Vamos escrever o segundo verso e qualquer coisa eu canto o primeiro e você canta o segundo, mas vamos escrever o segundo juntos’. O Vulto chegou com rimas magníficas. Foi quando ele falou, ‘mas a verdade que pra chegar à escola tem moleque que leva mais de duas horas por não ter vaga no bus, enquanto isso quem tá roubando a nossa vaga na USP não quer nem de graça a nossa vaga no SUS’. Putz, eu caí da cadeira, falei, ‘Vulto, que isso, você tá nervoso? Dá uma acalmada aí’ [risos]. Ele se inspirou no segundo verso e escrevemos juntos ali com uma cara de diálogo. A gente soltava o beat, eu rimava quatro partes, ele vinha me respondendo. Ela também é um trap, assim como ‘Vislumbre’, mas acho que ela é um trap mais pra cima, mais bate-cabeça, mais pista. Esteticamente, entrou numa prateleira do álbum onde estava faltando uma música pra cima, pancada. E é um trap moderno. Ela caiu como uma luva e acho que tem tudo a ver. ‘Armados de Poesia’, sou um poeta que gosta de estar armado de poesia e o rap sintetiza tudo isso, acho que o rap é a revolução de quem não tem voz. Ele é a rebeldia que se transforma em poesia. Essa luta contra o sistema é não violenta, mas agressiva, violentamente pacífica. Como diz o Mano Brown, ‘minha palavra vale um tiro, eu tenho muita munição’. Então o rap incomoda, porque ele faz pensar, porque ele é a voz da minoria gritando alto, zunindo, como um enxame de abelhas, cada vez mais alto no ouvido do gado [risos]. Só mais uma coisa na música com o Vulto: ainda botei um elementos de samba ali naquele beat de trap, pois tinha que ter alguma coisa que ficasse mais com a minha cara’. Eu toquei pandeiro, tamborim e tem uma parte que a gente sampleou um samba enredo antes de começar.” “Só Uma Noite” “Essa com Péricles é uma música em que sofri por amor, um fato verídico [risos]. Quando eu tinha 20 anos e estava fazendo rap, talvez minhas músicas de amor não tivessem tanta força, porque eu ainda não tinha vivido muito e agora o coração já está mais calejado. Foi uma música bem pessoal, né, inclusive a menina de quem estou falando, foi uma ex que conheci quando fiz faculdade nos Estados Unidos, e ela já se casou. Ela queria que eu ficasse lá e eu queria voltar para o Brasil e viver do rap. A gente teve que se separar depois de quatro anos, foi bem sofrido, mas eu tinha uma missão, um sonho, e ela queria se casar. Então falo na música: ‘Você queria se casar e eu tive que optar. Entre te seguir ou ir pra onde o hip-hop está. E eu não virei um popstar, mas calma. Meu som não toca na rádio, toca na alma. Tá bom, um dia a gente chega lá, baby. Você se casa e eu viro o Jay-Z’ [risos]. Ela já se casou e eu ainda não virei o Jay-Z, mas cada um seguiu seu caminho, cada um está feliz na sua, mas sempre tenho lembranças boas, porque às vezes bate aquela fossa de um ex-amor. Quando eu compus o tema e a melodia foi pensando num pagode: ‘Eu queria ter você de novo. Nem que fosse uma noite só’. E eu precisava de um cara que trouxesse essa vibe da fossa no refrão. Eu virei amigo do Péricles e descobri que ele era meu fã, que estava me seguindo e não acreditei. Falei, ‘pô, Péricles, sou seu fã’. Ele falou, ‘então empatamos’ [risos]. Ele me chamou para participar do canal dele e numa dessas meu irmão deu a ideia de chamar o Péricles. Eu falei, ‘mas será que ele vai aceitar?’. Eu chamei e o cara foi tão solícito, tão gentil, gravou com o maior prazer. Quando ele chegou lá ao estúdio, eu achei que ele ia botar a voz e ir embora, porque ele é um cara muito requisitado, muito ocupado. Que nada, ficou lá mais de duas horas só conversando com a gente sobre rap. Então virei muito mais fã dele. Ele é um cara humilde, generoso, sem falar do talento e da sabedoria musical que ali tive a chance de beber da fonte, pude gravar com ele. Isso foi um sonho para mim, uma realização pessoal. Às vezes eu me pego pensando ‘mano, eu gravei com o Péricles, sabe?’. O moleque que cantava pagode no fundo do busão quando ia jogar bola, gravou com um dos caras mais f*** do pagode, isso aí foi uma realização pessoal. Outra coisa boa desta música foi que a gente a lançou na quarentena. Acho que na quarentena tinha muita gente carente, né? Então ela veio com uma força que mexeu com o coração da rapaziada. As visualizações foram lá em cima! [risos].” “De Volta Para o Passado” “Já tenho uma música que se chama ‘De Volta Para o Futuro’ que fiz em 2016. Esta música é uma das que meus fãs mais gostam. Até hoje a galera escuta e fala ‘tá vendo, o Brazza já estava prevendo isso tudo’. Ela volta à tona, ela é bem impactante. Aí eu vi um rap francês, o cara fazendo um negócio que se ele pudesse, voltaria ao passado. Ele diz na reflexão final ‘se eu pudesse mudar tudo, mas eu não consigo, tô aqui fazendo meu aniversário de 30 anos’. Falei, ‘caramba, eu também fiz 30 anos, foi uma coincidência’. E eu curti essa ideia. Eu já fui para o futuro e agora podia voltar ao passado. Trazer um pouco mais do Brasil nesse passado também. Então começo a voltar ao passado vindo de 1500. Fiz essa viagem trazendo muita coisa que gostaria de mudar se pudesse voltar ao passado, mostrando que na verdade a gente já é o passado. Porque tudo que já aconteceu no passado reflete agora, a gente é uma somatória de um passado. Então, por exemplo, o fato do George Floyd estar sendo sufocado por aquele policial branco é um reflexo de um passado racista que impregnou na mente do cara, uma mentalidade que está no inconsciente coletivo da maioria e que fez com que ele matasse ele. Aquela única ação gerou milhares de outras ações no mundo inteiro. Então é para a gente entender que somos herdeiros desses erros de ontem e tudo que a gente fizer agora vai impactar fortemente no futuro. Então os filhos do futuro virão do nosso passado. E o que estou fazendo para que amanhã os filhos do futuro não se envergonhem do nosso passado? Para que amanhã a gente não sofra essas mazelas que a gente sofre hoje, por causa do passado injusto. Então é uma reflexão coletiva de humanidade que veio num momento da pandemia e que estava muito latente em todos trancados em casa. Todos esses problemas sociais que sempre existiram foram escancarados. Acho que essa reflexão veio muito poderosa neste momento, pessoal e coletivamente o que a gente quer mudar, o que a gente quer ser, saber que cada ação nossa tem impacto não só nas nossas vidas, mas nas vidas de milhares de seres humanos. É importante essa consciência. E a voz do Hélio Bentes encaixou muito bem. Tem uma mística na voz dele, que trouxe esse tom épico que a música tinha esteticamente. E quando ele começou a cantar no estúdio, ele apagou a luz e começou a cantar de um jeito que pareceu que ele tinha sido possuído por alguma entidade, como se estivesse evocando os ancestrais. Eu me arrepiei. A ideia inicial era para ele fazer o refrão, mas ele foi seguindo no resto da música e eu falei pro produtor, ‘deixa, deixa, que agora ele está possuído’. Foi emocionante a energia que ele pôs. E quando ele terminou de gravar, estava suando. Então acho que toda essa energia transpareceu. Eu acho que esta é uma das minhas músicas favoritas, no quesito ideia, letra. Ela uma das músicas que, como a ‘De Volta Para o Futuro’, nunca fica velha, continua pertinente, é atemporal.” “Boto Fé” “Ainda estava com depressão na época. Comecei a reparar que minhas músicas eram muito sombrias, o rap é meio triste, sabe? O rap é sempre uma distopia, né? No fim da música o cara morre ou o mundo deu errado, o rap é a realidade muito nua e crua. Nesse momento de depressão, estava frequentando muitas rodas de samba, cantando samba, porque o samba tem sempre uma esperança. Pode ser triste, pode ser uma crítica, mas tem sempre uma esperança na letra ou na melodia, no refrão. E eu estava precisando disso. Não queria que meu rap derrubasse alguém com as mensagens sombrias. É importante retratar a realidade, mas, é minha obrigação como artista de também trazer a esperança de um mundo melhor. Quem chamou minha atenção para isso foi o Mauricio de Sousa. Ele me convidou para escrever alguns quadrinhos rimados da Turma da Mônica, e eu levei algumas letras que eu tinha que achava que iam dar certo. Com a ‘De Volta Para o Futuro’, podia ser o Franjinha numa máquina do tempo. Tenho ‘Aiyra Ibi Abá’ do índio, podia ser o Papa-capim. Ele foi lendo o começo das músicas e dizendo ‘nossa, que bonito’. Mas no final ele disse: ‘por que um final tão triste?’. Na outra, ele começou a ler também, ‘olha, que bonito, mas essa também termina triste?’. E eu respondi: ‘também’. Então ele me disse que nem ia terminar de ler, que era para eu voltar para casa e reescrever os finais com mais esperança. Ele disse: ‘As crianças vão ler isso. Cadê a sua esperança, meu filho? Se a sua esperança se foi, não a tire a esperança das crianças’. Falei, ‘nossa, toma essa’. Voltei para casa me questionando: cadê minha esperança? Onde é que ela foi parar? Toda criança tem tanta esperança, por isso que a gente fala que elas são o futuro, porque, depois que se tornam adultos, perdem a esperança da mudança, perdem a fé no ser humano, perdem a fé na vida. Como artista, acho que o Mauricio de Sousa fez um excelente trabalho em trazer esperança para as crianças no mundo lúdico que ele criou. Eu olhei para mim com uma autocrítica e percebi que estava numa depressão e tem muita gente se sentindo assim. Teve um menino do rap nessa época que se matou, estava com depressão. Fez uma live e se enforcou, o MC Mineiro, menino do freestyle. Falei, ‘caramba, vários caras do rap estão com depressão também. Qual é a mensagem que o rap está passando? Cadê a esperança? É uma mensagem para mim também’. Até debato nessa música quantos sonhos são assassinados todos os dias e ninguém vê? Não estou falando nem das mortes, da bala perdida, que alguém morreu, mas quantos sonhos morreram agora, neste momento, como uma onda que se quebrou e ninguém viu? Quantas pessoas morreram e ainda estão respirando? E indo trabalhar todos os dias? A gente mal sabe que talvez o último fio de esperança dela foi embora agora por causa de uma frase mal colocada, por causa de alguma coisa que ela viu, viveu. Esse último fio de esperança pode estar na frase de um rap meu. Posso reacender esse pavio de esperança dentro de alguém com uma chama de fogo, uma faísca. Não deixar morrer essa chama, os sonhos que mantém a gente vivo, que fazem a gente querer acordar a cada dia, ser melhor do que ontem, ser a melhor versão de nós mesmos. É essa chama de esperança, e a depressão é o fim dela. Na depressão nada mais faz sentido, é impressionante. Então era eu, pessoalmente, tentando resgatar a minha própria esperança, tentando ressignificar meu sonho, tentando reencontrar essa esperança em algum lugar dentro de mim e ao mesmo tempo tentando falar para aquele outro que também tá desesperançoso sabe? ‘Quantas vidas foram jogadas fora? Quantas foram salvas pelo rap? Quantos estão pensando em se matar agora ou que desistiram depois que ouviram essa track?’ Quando chega no final eu dou um papo sobre o sonho, mas sem romantizar, ‘viver do seu sonho não é flutuar a cabeça nas nuvens, mas é fincar os pés no chão e se sujar de suor e cimento todos os dias, sonhos são arados e colhidos da terra, não se encontram em árvores, olheiras delatam sonhadores’. Então, sem romantizar, vai viver do seu sonho. Você vai se ferrar bastante e talvez o seu sonho não dê certo, então falo no fim: ‘Escolha seu caminho, irmão e irmã, não deixe que os outros te apontem, se o seu sonho não vier amanhã, pelo menos hoje foi melhor do que ontem’.” “Inquilino Da Dor” “Quando fiquei na depressão entendi melhor ‘Jesus Chorou’ do Mano Brown. Ele estava com uma depressão com certeza. A gente diz que para tudo na vida tem uma frase do Racionais e, na minha depressão, tinham tantas frases deles e a maioria delas vinham da ‘Jesus Chorou’. Só então entendi a profundidade dessa música. Essa depressão que na música ele começa a se questionar, ‘os próprio preto não tá nem aí com isso não’. ‘Paulo, acorda, pensa no futuro, porque isso é ilusão’. ‘Ô, mãe, não fala assim, eu nem durmo’. É ele falando com ele mesmo. Então ali pensei, ‘nessa depressão, preciso conversar comigo mesmo. Agora chega, não estou falando com o meus fãs, esta música aqui é o Fabio falando com o Fabio Brazza, é o que preciso ouvir. Uma autocrítica sobre coisas que acho que tenho que melhorar, ou é o meu demônio gritando alto e vou deixar ele sair e cair no papel também. As primeiras quatro frases eu escrevi quando estava no auge da depressão. ‘Nas madrugadas frias pensamento suicida, peguei na caneta única saída que tinha, já me disseram que minhas músicas já salvaram vidas, desculpa, mas essa aqui eu fiz pra salvar a minha’. Então é, quando peguei a caneta, pensei: ‘Vai, rap. Você que já me livrou de tantas, você que me ajudou tantas vezes, agora é a hora de fazer essa caneta aí psicografar e transformar a minha dor em pérola’. Eu estava nessa vibe. Tem uma frase muito forte desta música também, que é significativa... Tem um cypher de que participei, que depois também gravei o verso no acústico, em que falo: ‘Na madrugada fria, caminhando pela city, nos breus. A noite inspira poesia, eu faço um feat com Deus. Penso numa rima, ele completa. Às vezes tenho a impressão de que ele tá aqui. De calça larga e aba reta, poeta I see the signs. Deus não escreve por linhas tortas, escreve com punchlines. Metáforas em rhymes, até em braile ele rima. E eu me pergunto. A vida tá escrita ou é ele fazendo um freestyle lá em cima?’. Nessa música fazia um ‘feat’ com Deus. É um verso meu que ficou muito conhecido pelos meus fãs. Essa frase ganhou vida própria. Desta vez que eu estava mal, disse hoje faço ‘feat’ com os meus demônios. Era essa a sensação. Fazendo ‘feat’ com o meu pior lado, estava sangrando por dentro, estava há noites sem conseguir dormir, pensamentos suicidas, comecei até igual: ‘Nas madrugadas frias caminhando pela city nos breus…’ Comecei: ‘Nas madrugadas frias, pensamentos suicidas’. Falo também, das críticas nesta música, ‘irmão, ainda que eu diga que não, a verdade é que me preocupo demais com a sua opinião, posso parecer forte com as minhas palavras, porém sou tão fraco, admito, se alguém falar bem quase nunca acredito, se alguém falar mal eu levo pro coração…’. Eu ainda sofro muito com as críticas, preciso aprender a lidar com isso, é uma sombra, um demônio dentro de mim, que às vezes penso, ‘não nasci para ser figura pública, porque não suporto, essas coisas me machucam muito’. Então, na depressão, estava mais machucado ainda com as coisas que lia e só agrava a situação. Então, sou eu me permitindo ser vulnerável nesta música. O artista não é nenhum super-herói, a gente está sofrendo, está passando por um monte de coisas igual a vocês aí. Quero me abrir com vocês, quero esse diálogo com meus fãs, me abrir, contar meus demônios, mas acho que termina nessa esperança mesmo. Quer saber, nem sei mais porque eu estou fazendo o que fiz, mas se meu sonho morrer dentro de mim, eu espero que dentro de alguma outra pessoa ele ganhe asas. Eu pensava na depressão, e se meus fãs soubessem que não acredito mais em mais nada que escrevi? Tinha um amigo meu que me mandava umas frases de músicas minhas, ele sabia que eu estava em depressão, ele falou, ‘a resposta para sua depressão está nas suas próprias músicas. Vou te mandar uma frase todo dia para você se lembrar’. Ele mandava uma frase da música do ‘Odin’, em que eu falava de suicídio, uma frase da música do ‘Chamado’. Então é o negócio, se o meu sonho morrer, se é que ele já não morreu, espero que ele ganhe asas e possa renascer no coração de outro moleque que um dia escutou o meu rap, que sonhou o mesmo sonho que o Fabio Brazza. Porque amanhã já nem sei se estou aqui, amanhã já nem sei se esse vai ser o meu sonho, mas se meu sonho bater asas e renascer no coração, na boca de outro MC, acho que de alguma maneira vai fazer sentido o que fiz. O refrão é bem da hora, ‘preciso falar tudo que eu tenho pra falar, porque amanhã eu nem sei se tô aqui, se alguém escutar esse som é pra avisar que eu vi as trevas, mas sobrevivi’. Vi o fundo do poço, mas tô aqui de novo. Termino com umas colagens falando ainda de umas frases do Racionais. Inquilina da dor, né? ‘Pensamentos maus vêm, pensamentos bons vai, me ajude, sozinho eu penso merda pra c******’.” “Toda Gratidão” “‘Toda Gratidão’ acho que é um exercício de quando você está na depressão, de tentar lembrar as coisas boas da sua vida, quantas pessoas gostam de você, quantas pessoas te amam, por quantas coisas você é grato por estar vivo, sabe? Então é um exercício ali… Conforme o Paiva foi fazendo o beat, que era um reggaeton, eu pensei que tinha que ser algo pra cima, alegre, esta música tem cara de contar vitória’. Mas não posso contar a minha vitória falando que eu venci. Primeiro, porque sou um branco privilegiado, qual é essa narrativa do herói que se f**** e deu certo? Não combina comigo, não é a minha realidade. Mas todo mundo tem uma história, eu tenho a minha nessa caminhada, mas essa história quero contar sob o ponto de vista das pessoas que me ajudaram. Não existe essa história do herói solitário, isso é um mito, nenhum herói é solitário. Até se você vir, Thomas Edison inventou a lâmpada, não, não, inventaram tantas outras coisas antes dele. Ele só juntou tudo o que tinham inventado para inventar a lâmpada. Então não existe o mito do herói solitário. A gente conquista vitórias com a ajuda de muita gente. Quando eu estava mal, às vezes, eu via as mensagens dos fãs. Muitos eu nem respondia, mas chorava emocionado. Falei: ‘Caramba, mano, olha como a minha música transforma vidas. Olha o que esse moleque está me falando, como tem gente que gosta de mim, velho, por que estou mal? Pô, tenho que escutar essas coisas aqui que estou vendo e botar no meu coração. Tatuar essas frases no meu coração, para nunca esquecer’. Então esse exercício de lembrar dessas coisas é muito importante para gente sair da sombra. Então, ‘Toda Gratidão’ é a conclusão dessa minha jornada que começa com ‘Centauros’ e termina em gratidão. Agradecendo por estar vivo, agradecendo a todos que me ajudaram. Eu falo no fim,‘a grana passa, a fama passa, tudo isso fica pelo caminho, e a maior lição que eu aprendi com vocês é que nada na vida se faz sozinho’. Então, assim, não importa se este CD vai ficar famoso, se eu vou ficar famoso. Tudo que já conquistei, que já vivi, hoje eu agradeço. Tenho que agradecer, devo a vocês, essa relação humana que não tem preço. Acho que isso é o verdadeiro valor da vida. E na depressão a gente vê isso, o quanto a gente é frágil sozinho. O quanto a gente precisa do outro, o quanto a gente precisa se amar mais para ser alguém. O quanto a relação com a rede social nos esvazia, como é superficial, e nos tira esse laço humano que a gente precisa para se manter em pé. Então é isto, agradecendo e tentando relembrar o porquê faço o que faço, e o porquê devo continuar vivo e fazer o que amo. É a homenagem aos fãs. No clipe colocamos imagens em que eu estava filmando os meus fãs em shows, ou amigos, companheiros de estrada. Eu falo, ‘pra quem já era fã, não importa ter views. ‘Só agradeço a cada fã que nem conheço. Pelo amor e pelo apreço, não esqueço é por vocês que hoje eu tô aqui’. Então, a cada um de vocês que nem conheço, ou a cada um que me mandou mensagem num dia ruim, que salvou meu dia, a cada um de vocês que desejou o meu bem, eu desejo o dobro para vocês também.”

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