Ojunifé

Ojunifé

Ojunifé, título do álbum de estreia de Majur, significa “olhos do amor” em iorubá, mas também foi o nome dado à cantora por seus guias no candomblé. “Vivemos em fases e temos a capacidade de nos reciclar”, diz Majur em entrevista ao Apple Music. “Eu acho que é isto que torna o ser humano diferente das outras espécies, que é viver e aprender. E é necessário a gente entender cada momento. Ojunifé sou eu agora, sou filha de Xangô com Iemanjá.” Até chegar a este momento de sua carreira, Majur passou por diferentes fases. Sua ligação com a música começou muito cedo, aos 5 anos, quando entrou para a Orquestra Sinfônica da Juventude de Salvador e começou a estudar mais sobre o assunto. “Foi muito importante para a minha formação musical e entendimento de som”, conta. Com 14, começou a participar de competições de canto e, aos 16 anos, entrou para o colégio da polícia militar, que, apesar das regras, ajudou Majur a conhecer ainda mais o mundo das artes. Como adolescente pobre, a cantora viu a necessidade de colocar a música em segundo plano e cursar design na faculdade, o que a ajudou a se entender. “Comecei a estudar e percebi que dava para ir além e juntar com a música, e assim lá estava eu criando a Majur”, explica. “Na época, não me identificava em um corpo trans e pessoa não-binária, mas fui entendo e estudando semiótica e com certeza eu era uma mulher trans. No quarto semestre, criei a Majur e toda a identidade visual que eu queria usar. Criei um projeto sobre isso, mas depois entendi que aquilo se tratava do que eu era, não de algo que eu viria me tornar.” Assim, a cantora era designer de dia e cantava de noite. “A música me libertou, ela me fez ter o senso crítico de questionar o lugar onde eu estava, questionar os meus sonhos”. Influenciada pelo conceito de afrofuturismo que aprendeu na faculdade, Majur também entendeu que cantar era um ato de resistência. “É o movimento de qualquer pessoa preta fora do espaço que é pré-determinado para ela, ou seja, é pré-determinado pela sociedade branca em que a gente vive, na qual o preto não iria chegar a determinados lugares. Toda vez que um homem ou uma mulher preta chega a esses lugares, ele é uma pessoa afrofuturista e acaba sendo revolucionário e representativo.” Caetano Veloso e Paula Lavigne conheceram o trabalho da cantora por meio de seu primeiro EP, Colorir, e Lavigne se tornou sua empresária, o que a ajudou a alçar voos ainda mais altos. Pouco tempo depois, em um show em São Paulo, Majur conheceu Emicida, que a levou para participar do single “AmarElo”, com Pabllo Vittar. “Foi assim que eu cheguei a este lugar de visibilidade.” No seu primeiro álbum, Majur canta sobre todo esse processo pelo que passou em sua vida, no qual ela acredita ter se encontrado e potencializado o amor-próprio. Por meio de suas dez faixas, Ojunifé nos apresenta uma cantora que passou por diferentes momentos, variados relacionamentos e diversas experiências que a fizeram ser apaixonada pela vida e segura do lugar que ocupa. A seguir, Majur conta detalhes da sua jornada, que é apresentada em cada faixa do álbum. Agô “É o início, mas ela é o final. Eu precisava dizer para as pessoas o que significa Ojunifé, e Agô significa licença, movimento. Eu estou entrando em uma nova espiral, em uma nova versão de mim mesma, onde eu proponho viver novas experiências para contar no futuro. Então, na primeira música, eu já falo: ‘Eu sou Majur, sou filha de Xangô, e agora eu vou contar para vocês a minha história’. É por isso que essa é a primeira música do meu álbum.” Flua “A história começa em uma revolução: eu nunca consegui estar dentro de padrões, tanto estéticos como comportamentais, de qualquer coisa. Eu não sou uma pessoa de andar na mão, sou muito da contramão. Sempre me questionei muito sobre lugares pré-determinados. Se está montado, não é para mim! Porque foi montado baseado em um perfil, e, se eu não estava presente na montagem, então não é sobre mim que você está falando. Eu prefiro estar. Então essa música fala sobre quadro, formatos, cortes, cor, retratos falados, perfis... É tudo que a gente vive ao redor agora. Eu não ando nisso. A primeira coisa que eu preciso dizer neste álbum é que eu vou abandonar completamente as minhas referências externas para conseguir me encontrar. Flua. Você precisar fluir e para isso você precisa abandonar essas coisas que te prendem.” Ogunté “Acho que depois de eu ter essa vontade de ser revolucionária, eu precisava me apegar a algo, porque enfrentar a sociedade com um corpo preto, marginalizado, como uma mulher trans, já é uma questão que eu sabia que ia enfrentar, e para isso é preciso se agarrar a algo. Aqui. eu me agarro com todas as minhas energias a Ogunté, que é o nome da minha Iemanjá, que é guerreira, e eu queria homenageá-la por ter me segurado em todo esse início de processo. Eu vivi muitas coisas e mesmo assim eu sentia a proteção dela, ali comigo. E eu falo para você se agarrar em algo em que você acredita, não precisa ser necessariamente Iemanjá, mas algo que te potencialize, que te dê segurança. Se hoje somos seres humanos que acreditamos tanto na espiritualidade, então que cada um se apegue a sua.” Enciéndeme “’Enciéndeme’ é uma variação de ‘incendiou-me’, que significa que já incendiou, que já aconteceu, no passado. E aí começam as minhas relações com este corpo trans. Depois de me encontrar, depois de me fortalecer espiritualmente, eu começo a me relacionar enquanto corpo. E aí eu realmente estava muito ‘enamorada’, muito apaixonada e aberta a viver qualquer sentimento. É isto que [que a música] significa: ‘estou aqui, estou aberta, estou livre. Vamos lá, eu quero viver’.” Aquário “Aí começo o inferno! Eu vivi um relacionamento que eu achei muito importante trazer para este álbum, porque eu senti que todo mundo já viveu: encontrar alguém que você achava que era aquilo que você tinha criado na sua cabeça, mas na verdade não era, era o contrário, e a pessoa não era legal e só estava jogando. E existem vários jogos. O que eu vivi foi uma distância, ele sabia me controlar dessa maneira. Eu não quero permitir que façam isso comigo e, depois de mais ou menos um ano de relacionamento, entendi que aquilo não era para mim, não estava rolando e não estava bom. E essa é a coragem que muitas mulheres precisam ter. Vivemos hoje com uma taxa altíssima de feminicídio, e as mulheres não têm coragem de largar seus maridos, e elas vivem em prisões, por diversos motivos. Eu acho que usei a minha experiência de ser uma mulher preta, que saiu de um relacionamento abusivo; eu trouxe isso para mostrar que há a possibilidade de você escolher você de novo. É isto que quero fazer: encorajar corpos a saírem de relacionamentos abusivos.” Rainha de Copas “Quando eu saí desse relacionamento, estava no Rio de Janeiro e precisava entender internamente o que estava acontecendo comigo. Estava vivendo a culpa, de entender o porquê de ter passado por aquilo. Eu procurei muito, mas as respostas foram completamente diferentes. Essa música é a resposta. Eu fui atrás da minha espiritualidade e entendi que ia me relacionar com corpos, iria ter toque, iria ter troca, mas eu precisava estar forte no lugar de ‘eu me amo’, e não estava procurando uma completude em outro, porque eu sou completa. Mas, agora, eu posso estar procurando alguém para me transbordar, para que a gente construa algo junto e que não faça parte de algo que eu sou, porque isso só eu posso ser. Então eu trago de volta o poder de você ser dona de você mesma, você tem que dominar esse jogo e entender que o outro é o outro e eu sou eu. É a ideia de completar que acaba com a nossa cabeça, porque você entra em um relacionamento achando que a pessoa é perfeita, dos seus sonhos, mas não é assim. Coloca o pé no chão e vai vivendo cada momento.” Seja o Que Quiser “Eu tinha que dar uma injeção de ânimo, e também porque foi o que aconteceu comigo em todo esse processo: todos os dias eu tinha que acordar e ser a Majur. Eu tenho um sonho e não vou parar por aqui. E o que me ajudou? Força, carinho da minha família e dos meus amigos, amor em tudo o que eu faço, disposição. Eu basicamente dou a fórmula para que as pessoas alcancem os seus sonhos, para que elas consigam focar.” Última Dança “Dentro desse processo de me encontrar, encontrei uma pessoa incrível, que é o meu namorado atual, o Josué, e eu fiz essa música sobre a minha experiência de viver com ele, que, aliás, é o meu primeiro namorado – todas as relações que eu vivi não eram oficiais, mas eu estava experimentando. Agora deu certo, eu estava indo para Salvador e nos reencontramos, e essa música fala sobre esse reencontro. Essa é a música que talvez fale mais diretamente sobre algo, o que eu não faço muito, porque gosto de fazer ligações abertas, mas dessa vez não. Estou me sentindo muito bem nesse relacionamento e é isso que eu queria mostrar, porque isso dá esperança para que as coisas possam melhorar e mudar.” Nostalgia do Amor “Claro que, depois de viver todas essas coisas, eu amadureci nesse lugar amoroso e comecei a me relacionar com outras pessoas, comecei a me abrir mais. E quando eu falo de amor, falo de todo tipo de afeto, com familiares, amigos, etc. Eu precisava reconfigurar esse amor que eu estava sentindo ou sentiria por alguém novo. É uma nostalgia por esse sentimento de ser amada e amar alguém novamente.” De Novo “A mais emocionante de todas. Já te perguntaram se você voltaria do mesmo jeito? Por sua vida, você voltaria? Eu não tinha muita certeza disso – até agora. Eu acho que essa música fala de um lugar de resistência para uma pessoa preta LGBTQ+: resisti até agora e vou continuar até morrer. É um processo pelo qual ninguém gostaria de passar, mas eu também consigo me apegar às coisas boas que aconteceram, e eu nunca tinha conseguido isso. Agora eu vejo que tudo é um aprendizado é um caminhar. E eu tenho uma certeza: eu voltaria de novo, quantas vezes fossem necessárias. É uma carta da Majur do passado, falando para a Majur de hoje: eu escolheria amar de novo e de novo. Eu me amaria de novo e seria eu mesma novamente.”

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