Bom Mesmo É Estar Debaixo D'Água

Bom Mesmo É Estar Debaixo D'Água

Luedji Luna lança o seu segundo álbum de estúdio, Bom Mesmo É Estar Debaixo D'água, três anos após o lançamento de Um Corpo no Mundo, o seu álbum de estreia. Desta vez, a cantora também assina a produção musical das faixas. A evolução do processo artístico resulta em um trabalho mais maduro e bem diferente do anterior. “Mudou tudo, sobretudo a sonoridade”, revela Luedji ao Apple Music. “Um Corpo no Mundo teve muita percussão, que era o coração da base. Todos os arranjos foram pensados em torno do ritmo. Este segundo trabalho já não tem percussão essencialmente.” Bom Mesmo É Estar Debaixo D'água foi gravado em janeiro de 2020, no Quênia, o que influenciou o álbum musicalmente, além de trazer outras referências. “O álbum conta com uma instrumentação mais clássica, com bateria, baixo e guitarra, e a banda-base é africana, com muita referência de jazz, gênero bem presente neste trabalho.” Já o nome do álbum, é um trecho de uma canção do cantor e compositor François Muleka, parceiro de Luedji Luna. “Temos uma relação bem próxima, além de muitas composições juntos. Eu fiz uma poesia e ele musicou. Bom Mesmo É Estar Debaixo D'água fala bastante sobre o mar, as ondas... É uma canção muito bonita, com uma letra de apelo fácil, por isso ela dá nome ao álbum, e eu decidi que seria o primeiro single.” A maioria das faixas do álbum são longas, uma característica comum no repertório de Luedji. “Vivemos em uma sociedade muito sintética, mas eu gosto de respeitar o modo como a música se expressa”, explica. “Se tem silêncio, vai ter silêncio; se tem calmaria, vai ter calmaria. Isso é uma característica muito minha.” A seguir, a cantora dá mais detalhes sobre cada uma das faixas de Bom Mesmo É Estar Debaixo D’água. Uanga “É uma poesia, uma cantiga para a entidade do amor, feita por um poeta de Salvador. Eu recebi esta canção e me apaixonei de cara. Ela é quase que um mantra, porque eu já estava nessa dinâmica de pensar o amor, falar do amor, e recebi nesse contexto. Isso aconteceu há anos, e, quando eu comecei a fazer shows experimentais, eu abria o show com esta cantiga, e aí pensei: ‘Por que também não abrir o álbum com este mantra, já para anunciar a temática e dizer para qual lugar eu quero que as pessoas naveguem?’. ‘Uanga’ tem essa finalidade de definir o tema artístico.” Tirania “É uma poesia antiga que achei muito bonita, que eu fiz para uma menina que tinha um olho esticado, meio rasgado, daqueles que não dá para ver a cor do olho. Por isso eu pergunto: ‘Qual a cor? É mistério mesmo ou é tirania?’. Porque é um olho tão bonito e eu fiz para essa figura que tem um olho rasgado. Então ela não é necessariamente uma canção de amor, mas é de encantamento.” Chororô “É uma letra antiga, eu fiz quando ainda morava em Salvador. Foi um período da minha vida em que eu estava em crise, me sentindo muito só. É uma canção que retrata muito a solidão, em várias dimensões. Na música, eu falo do que eu não tenho, todas as ausências que compõem a minha existência, pelo menos naquele período.” Ain’t Got No “Esta é uma canção interpretada por Nina Simone e vem para completar a ideia de ‘Chororô’, porque em ‘Ain’t Got No’ ela retrata todas as coisas que ela não tem, então é como se fosse uma continuidade – por isso que elas ficam juntas no álbum.” Ain't I a Woman? “Este é um discurso de Sojourner Truth, uma mulher negra que viveu nos Estados Unidos no período escravocrata, e em sua fala ela questiona a posição dela como mulher na sociedade. Ela diz: ‘Eu estou aqui neste recinto, e todos dizem que as mulheres precisam ser bem tratadas e carregadas, não passar por lama, mas quando eu desço da carruagem, ninguém nunca me deu passagem. Eu trabalho como qualquer homem....’. Então é um comparativo de como a sociedade trata a mulher negra e como trata a mulher branca. No final, ela pergunta: ‘Eu não sou uma mulher?’. Eu trago esse questionamento e rememoro histórias que eu vivi a partir da experiência de objetificarem o meu corpo.” Recado “‘Recado’ é uma poesia que eu musiquei da Dejanira Rainha Santos Melo, uma poeta de Salvador, e é uma das canções do álbum de que eu mais gosto, porque retrata bem todas as inquietações e complexidades que é ser uma mulher preta na sociedade. Porque o amor vai além das relações sexuais e afetivas amorosas; ele conduz todas as nossas relações, a partir do momento que você ama determinado indivíduo, você se dá bem com ele. E a gente vive em uma sociedade que, com o racismo, a gente tem destituição da humanidade de pessoas negras. E a gente ama bichos, a gente ama indivíduos, mas a gente não ama o que é coisa: o que é coisificado não recebe amor. E como isso afeta as mulheres negras? Como a gente se ama, relaciona com o mundo. Então eu acho que esta música é bem completa neste sentido: a quantas coisas a gente tem que se submeter por conta desse desamor que está imposto na sociedade? E quem cuida da mulher negra?” Bom Mesmo É Estar Debaixo D'água “Esta é uma canção que eu fiz para uma namorada. Era uma relação à distância e tinha muito isso de você não saber o que está acontecendo, se vai ligar, se não vai. Se some, você acha que já não quer mais... Então era muito uma relação conduzida pelo tempo da outra. Se você é maré mansa, eu fico de boa; mas se você é tsunami, eu me afogo. É sobre seguir o fluxo da pessoa, sobre o tempo do outro, e saber mergulhar nessas águas. Nem sempre a relação está parada, às vezes é uma onda intensa, às vezes é uma poça d’agua, às vezes seca e acaba. A água é uma metáfora para as variáveis do amor.” Origami “Esta é a única canção que não é minha, é de Cal Ribeiro, um cantor e compositor baiano e uma grande referência para mim, e Goulart Gomes, um poeta de Salvador. Ela é sobre desejo e é a leitura de uma relação sexual, literalmente. Eu gosto muito desta poesia, é uma música que conheço há muito tempo, porque conheço Cal há muito tempo, ele me viu criança. Já tinha interpretado em show e pensei em colocar no álbum. Cal Ribeiro eu também gravei no álbum passado e repito a formula de tê-lo de novo.” Lençóis “‘Lençóis’ é uma poesia de Cidinha da Silva, uma escritora que admiro muito, negra, e acho que é um texto que fala muito sobre a redenção e sobre como é importante viver o amor de fato; como isso preenche a solidão anterior, que foi cantada nas outras canções. Ela diz na letra: ‘Eu não me sinto só na imensidão do céu’. A solidão é um grande buraco sem fundo, um sentimento horrível, e imenso como o amor. É importante criarmos uma narrativa a respeito da mulher preta amando e sendo amada.” Erro “Esta eu fiz para o meu esposo, quando estávamos no começo da relação. Quando ficávamos e ele não queria dormir comigo. É uma música bem clichê, apaixonada.” Manto da Noite “’Manto da Noite’ é uma música que foi feita para a mulher negra, muito negra. E o nome é este porque é como se ela fosse o manto da noite, dona de tudo que é escuro, de todo o breu. É uma canção que se passa em Salvador, tem bastante elementos da Bahia.” Goteira “É uma canção que fala muito sobre os jogos, dos quais eu não gosto muito. Tem gente que gosta de seduzir só para alimentar o ego. E eu pergunto: ‘Para que ser tão bonito assim? Para que jogar se você não pode?’. Qual é o sentido de ficar se jogando, e ‘Goteira’ é isso. Gera muita ilusão jogar com o amor, seduzir gratuitamente. E eu digo: ‘Cuidado, qualquer gota de amor afoga’. Às vezes a pessoa é carente e cria expectativa, e não sabe lidar com o jogo, leva a sério.”

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